PIONEIRISMO O padre Fabiano Colares (à dir.) ao lado do arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler: os tempos de silêncio acabaram (Crédito:Divulgação)

Depois de 17 longos anos desde a explosão de denúncias de abusos sexuais por parte de padres e religiosos nos Estados Unidos e no mundo, a Igreja Católica começa agora a estruturar canais específicos para receber essas acusações e investigar mais a fundo todas elas. O processo foi lento e a ação só começou após a determinação clara e direta feita pelo Papa Francisco, em agosto do ano passado, na Carta Apostólica denominada “Vós sois a luz do mundo”, que obrigou todas as dioceses espalhadas pelo planeta a implementar sistemas para apuração dos casos. No Brasil, Porto Alegre foi a primeira diocese a implantar uma ouvidoria específica para receber denúncias de abuso. Foi seguida por São Paulo e outras devem surgir. Desde 2003, a Igreja vem tentando administrar um problema que só cresce. Mas só com essa determinação para que se organizassem para receber e, principalmente, investigar os casos de abuso é que se iniciou o movimento. Segundo o padre Fabiano Schwanck Colares, coordenador da Comissão Arquidiocesana Especial de Tutela de Criança, Adolescente e Pessoa Vulnerável de Porto Alegre, a demora ocorreu porque foi preciso, inicialmente, estabelecer as regras, respeitando tanto o Direito Canônico como o Direito Civil e definir, junto com o Ministério Público (MP), quais as formas de se apurar as denúncias feitas.

“Podem dizer que é tarde, mas a comissão finalmente chegou. Não
é de hoje que avaliamos denúncias” Odilo Scherer, Arcebispo de São Paulo (Crédito:VANESSA CARVALHO)

Especialista em Direito Canônico, Colares foi o primeiro representante da Igreja brasileira a manter contato com a comissão de apuração de casos de abuso formada em Boston, que deu origem a todas as investigações após o escândalo provocado pela descoberta dos casos nos Estados Unidos. “Queríamos formatar uma comissão multidisciplinar como foi feito pelos norte-americanos, que tivesse psicopedagogos, psiquiatras, assistentes sociais, representantes do Ministério Público, da polícia, da igreja e todos os especialistas que pudessem ajudar na apuração dos casos e na assistência aos envolvidos”, explica o padre. Anunciada no dia 26 de fevereiro, a comissão de Porto Alegre obedece as normas do Vaticano atuando em duas frentes. A primeira é preventiva, para evitar que novos casos ocorram, oferecendo esclarecimentos tanto para os religiosos como para a população que freqüenta igrejas e colégios católicos. A segunda frente é a do acolhimento e apuração das denúncias.

Trabalho preventivo

A equipe segue um regulamento próprio que delimita o funcionamento e diz o que compete a cada um. A comissão terá reuniões ordinárias e sempre com uma pauta específica. “Até agora só recebemos alguns telefonemas que ainda não se tornaram denúncias formalizadas. Precisamos levantar informações para ver a consistência das denúncias, conforme nos orientou o MP”, diz Colares. As igrejas também estão iniciando o trabalho preventivo, começando a falar de assuntos tabus, o que inclui os casos que já existem de pedofilia. O segundo ponto é auxiliar tanto funcionários como as próprias crianças a identificarem o que é um abuso para que possam detectar o problema mais cedo. A comissão vai apurar casos nos 29 municípios de abrangência da Arquidiocese de Porto Alegre. Se a denúncia se confirmar, tudo é notificado ao Vaticano que vai julgar e dar o poder de emitir sentença ou encaminhar para o Tribunal Eclesiástico, que tem estrutura interna para discutir, como explica Colares, acrescentando que o processo todo, desde a denúncia até a apuração, deve levar no máximo 90 dias. A pena máxima para um padre que cometeu crime vai desde demissão clerical até o desligamento religioso. “Não vamos conseguir voltar no tempo, mas o tempo de silêncio não acontecerá mais”, diz taxativo o representante da igreja.

Em São Paulo, a arquidiocese também lançou seu canal de denúncias contra os abusos. As denúncias poderão ser apresentadas de modo presencial, por e-mail ou por carta, mas não serão aceitas informações anônimas. Elas deverão fornecer de forma detalhada dados sobre o caso, com o nome e contatos dos denunciantes, datas e locais em que ocorreram os supostos abusos. Também é recomendada a apresentação de fotos e gravações, além do contato de testemunhas. Na carta “Vós sois a luz do mundo”, o Papa torna obrigatório também a padres e religiosos denunciarem suspeitas de abusos sexuais. O decreto deu prazo até junho deste ano para que todas as arquidioceses do mundo criassem sistemas simples de notificação de denúncias. O Arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler reconhece o avanço por parte da Igreja Católica. “Temos que reconhecer que não se deu a devida atenção ao longo do tempo a esses casos de abuso.”

 

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