É absolutamente temerária e espantosa a conduta do capitão reformado Jair Bolsonaro que agora afronta sobranceiramente a lei, peitando sem o menor constrangimento instituições republicanas regentes da vida democrática no País. Ele despiu-se da fantasia de governar para todos. Assumiu de vez a condição de ditadorzinho de araque que quer ver atendidas suas vontades e adotou o lema do “mexeu com minha família, caço e arrebento”. Em poucos dias foi para cima da Polícia Federal, do Coaf e da Receita, atropelando instâncias, demitindo quem o contrariou e até liquidando pura e simplesmente com o funcionamento de alguns desses órgãos. Impôs a ordem da mordaça e tolheu investigações que avançavam sobre o clã familiar — não fosse suficiente já ter, anteriormente, despachado o fiscal do Ibama que o multou, o diretor do INPE que não maquiou números do desmatamento como ele queria e técnicos do IBGE que revelaram o avanço do desemprego. Messias está implacável em seu afã de calar vozes incômodas. Surpreendente que nesse pendor totalitário ele nem se preocupe mais em esconder, de ninguém mesmo, a sua intolerância a resistências, surjam elas de onde for. “Quem manda sou eu, vou deixar claro”, afirmou em um dos rompantes o tal “mito”, venerado por certos seguidores, para logo depois alegar que não é “presidente de banana”. No mandonismo desvairado deixa escapar uma latente insegurança ou, como definiu o ex-ministro Bebianno, mostra “complexos que ele traz do passado”. Também demonstra desprezo pelo profissionalismo ao resolver partir para o tudo ou nada contra aqueles que vinham, essencialmente, fazendo o seu trabalho. Não lhe interessa princípios como esse. Ou entra na linha, e aceita suas determinações e limites, ou fora. É clara a necessidade de autoafirmação e com a soberba aflorando, dia após dia, ele subiu um degrau na escala do caudilhismo. Não bastam mais apenas declarações estapafúrdias. É preciso aniquilar, perseguir abertamente supostos inimigos. A Receita Federal, no seu entender, fez uma devassa absurda na vida financeira da família, inclusive de tios, primos e parentes distantes. Resultado: vai sofrer as consequências. Deve ser fatiada em agências independentes com as portas abertas ao apadrinhamento em postos de comando, cujos nomes eventualmente serão escolhidos fora dos quadros de carreira. O Leão não pode mais “ferir” os interesses de autoridades constituídas – Bolsonaro à frente, além de juízes do Supremo, como Dias Toffoli e Gilmar Mendes, cujos cônjuges também foram, por razões justas (diga-se de passagem), alvo de averiguações. O titular da Receita no Rio de Janeiro, segundo na hierarquia geral, acaba de cair, até por ter permitido controles alfandegários rígidos no Porto de Itaguaí, alvo da cobiça de milicianos cujas supostas relações com a primeira família já foram questionadas. Seria por demais salutar em países civilizados, como se pretende o Brasil, uma ampla liberdade de atuação dos organismos investigadores e de controle. Ninguém deveria ou poderia se sentir à vontade para infringir a Lei em virtude de laços ou conexões com titulares do poder. Mas o mandatário não pensa assim. Parece reger seus atos por outra cartilha. No momento busca aparelhar tribunais, núcleos da polícia, repartições financeiras e tributárias, com seus apaniguados que, ele deseja, lhe prestem vassalagem, sem qualquer independência operacional. A bronca do capitão é maior com assuntos que envolvam os filhos. Eles podem cometer o erro que for, estarão mesmo assim livres de julgamento alheio, imunes. Bastou o Coaf se posicionar contra a decisão do STF de suspender consultas a sua base de dados para identificar corruptos e veio lá de cima a decisão de simplesmente varrê-lo do mapa. Isso mesmo: o Coaf acabou, deixará de existir nos moldes como funcionava. Deu lugar a outro bicho, controlado por instâncias superiores,não mais subordinado ao Ministério da Justiça. Passou ao ambiente fleumático do Banco Central com atribuições, digamos, mais burocráticas, sujeito até a injunções políticas. O que ocorreu de concreto? Seu titular, Roberto Leonel, criticou a ideia da necessidade de autorização judicial para que dados completos sobre as movimentações suspeitas de dinheiro, como no caso do laranjal do primeiro filho, Flavio Bolsonaro, fossem repassados ao Ministério Público. Tamanha “petulância” lhe custou não apenas a cabeça, colocada a prêmio e rapidamente substituída na semana passada, como o castigo da intervenção em toda a estrutura que pilotava. Então fica o aviso: em se tratando de casos passíveis de análise mais aprofundada para checar eventuais desvios, nos Bolsonaros ninguém mexe! Estão blindados. A Polícia Federal do Rio de Janeiro foi outra que se deixou cair na armadilha de incomodar o clã. Deixou correr solto o processo que investigava o citado laranjal do filho Flávio e o superintendente local foi defenestrado da chefia. Jair Bolsonaro queria no seu lugar um amigo dileto, transferido da Amazônia para lá. Veio a reação. Em boa hora. A PF barrou a indicação. Ensaiou um motim. Diretores e delegados ameaçaram entregar os cargos. O presidente refugou. Aceitou outro nome. Mas o clima segue pesado. Procuradores do Ministério Público também enviaram carta aberta com alertas sobre a escolha do novo titular da PGR. Repudiam o preferido do Planalto, de fora da lista tríplice disponível, pela limitada capacitação técnica. Corporações que até aqui se enfileiravam ao lado do chefe da Nação já desprezam abertamente seus métodos e questionam suas escolhas. Muitos começam a discutir se não cabe acusar, na Justiça, os possíveis desvios de conduta dele. Seria um passo para o impeachment. Decerto, o princípio da impessoalidade foi quebrado desde que Messias passou a se imaginar como alguém detentor de um poder supremo inquestionável, um monarca por excelência.


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