Não foi do nada que o então governador João Doria (PSDB) tirou a ideia, em 2020, de implementar no estado de São Paulo o programa Olho Vivo, de instalação de câmeras de vídeo nos uniformes dos policiais militares. O projeto saiu do papel depois que uma ação malsucedida da Polícia Militar de São Paulo num baile funk que deixou nove mortos e dezenas de feridos na favela de Paraisópolis, em dezembro de 2019. Na ocasião, agentes de segurança agrediram os presentes com golpes de cassetete, garrafas, bastões de ferro e gás de pimenta. Um policial chegou a arremessar um morteiro contra a multidão.

Doria determinou a aquisição das câmeras para os uniformes dos policiais e também o aumento do uso de armas de choque, como tasers, com descargas elétricas capazes de imobilizar os alvos, no lugar de armas letais. Houve ainda a determinação de que maus policiais fossem responsabilizados e punidos. O resultado: uma queda de 80% na letalidade policial depois. Foram 41 mortes em operações policiais entre junho de 2021 e maio de 2022 – contra 207 nos 12 meses anteriores. Rodrigo Garcia, que sucedeu Doria no governo do estado, vem dando prosseguimento à política adotada pelo ex-governador.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro (PL), há menos de dois anos no cargo, exibe no currículo três das cinco operações policiais mais letais da história daquele estado. Na semana passada, 17 pessoas foram mortas numa operação da Polícia Militar fluminense no Complexo do Alemão. A polícia mais letal do País só começou a utilizar câmeras acopladas às fardas no mês passado, e ainda assim de forma bastante tímida até o momento: são apenas 1,6 mil policiais com o equipamento, num efetivo de 45 mil homens. Difícil cravar que, caso os policiais envolvidos na chacina do Alemão tivessem câmeras em seus uniformes, o resultado poderia ter sido diferente.

Mas a forma e a velocidade com que políticas públicas para redução da letalidade por agentes de segurança são adotadas nos dois estados dão um claro recado a suas respectivas corporações de policiais militares: no Rio, assassinatos em operações policiais aparentemente são considerados menos graves para o governo de plantão – em outras palavras, matar pode ser aceitável. E, no estado fluminense, incursões como a do Alemão, na semana passada, são utilizadas eleitoralmente – é a tal da “linha dura no combate ao crime”, tão cara também ao antecessor de Castro, o ex-governador Wilson Witzel, aquele que, em 2018, falou em “mirar na cabecinha”. Essa postura está diretamente relacionada com o discurso da morte propalado pelo bolsonarismo, da aniquilação do inimigo. É, enfim, a opção pela barbárie.