O mundo terá clima para acordar de madrugada, vestir a camisa de seu país e assistir a sua modalidade favorita? A apatia entre os amantes de esporte que aguardam a Olimpíada de Tóquio nunca foi tão grande. A grandiosidade das expressões olímpicas “citius, altius, fortius” – palavras em latim para “mais rápido, mais alto, mais forte” – perderam um pouco o sentido diante de tantas mortes causadas pela pandemia. Isso sem falar no espírito de confraternização: muitos países estão com fronteiras fechadas e não aceitam cidadãos de determinadas nações — é o caso do próprio Japão, país anfitrião, que não permitirá torcedores estrangeiros nas arquibancadas do megaevento que começa em 23 de julho.

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Apenas japoneses poderão ocupar as cadeiras dos belíssimos estádios e arenas de competição e, mesmo assim, em número reduzido. Mas parece não há consenso nem entre eles: pesquisa realizada pela agência de notícias Kyodo em abril aponta que “70% queriam que os jogos fossem cancelados ou adiados novamente”. Os protestos são fortes e os cartazes não deixam margem para dúvidas: “Cancele a Olimpíada de Tóquio”, dizem as mensagens em inglês. A intenção é mostrar ao mundo que o evento não tem apoio local. Uma decisão sobre o cancelamento ou um novo adiamento, no entanto, não é uma tarefa simples. O responsável por isso é o Comitê Olímpico Internacional (COI), que faz um esforço de guerra para criar um sistema de bolhas de segurança que possa isolar, dentro do possível, todos os milhares de atletas. O investimento estimado em 26 bilhões de dólares prevê que todos os competidores sejam vacinados e testados regularmente — mas a estratégia não tem como ser 100% garantida, ainda mais em um evento desse porte.

TRADIÇÃO História ameaçada: competições de 1916, 1940, 1944 foram as únicas Olimpíadas canceladas até hoje (Crédito:Divulgação)

Decisão arriscada

Com atletas de mais de duzentos países tomando vacinas com graus de eficácia diferentes, há, sim, a possibilidade de o vírus circular. O que não se sabe é qual seria a consequência disso. “Todas as vacinas são eficientes em reduzir formas graves e óbitos. Ainda há, porém, dúvidas sobre os diferenças graus de proteção em relação à capacidade de prevenir transmissões”, explica o médico infectologista Bernardo Almeida, do laboratório Hilab. Se forem atendidas todas as orientações sanitárias, como quarentena de atletas em uma “bolha” e isolamento do público, o médico acredita que os riscos são pequenos. “Com a realização de testes frequentes, as chances são pequenas de que o evento mude o cenário epidemiológico do Japão”, diz. Outra preocupação é com a Paraolimpíada, que acontecerá na sequência e é outro evento de enormes proporcões. A questão fundamental é que o país asiático ainda não está totalmente livre da pandemia. O Japão, aliás, está em seu pior momento desde que a pandemia começou. Só no dia 18 de maio foram registradas 216 mortes no país, com a média diária na casa dos seis mil casos. Apesar de ser um número pequeno quando comparado ao Brasil, o índice está longe de países modelo, como Austrália e Nova Zelândia. A Inglaterra, um dos locais que mais sofreram com a doença, não contabilizou nenhuma morte em 9 de maio, e o ritmo segue aparentemente controlado. Por tudo isso, a decisão de prosseguir com os jogos é arriscada. O governo japonês estendeu o estado de emergência em Tóquio e outras regiões até o final desse mês. Enquanto isso, luta para conter o aumento de casos de variantes mais contagiosas e tenta evitar o colapso dos serviços públicos de saúde.

CONTROLE Do aeroporto aos estádios e arenas: quarentena, bolhas de isolamento e testagem (Crédito: Issei Kato)

Otimismo e novidades

As cláusulas do contrato entre o COI e a cidade-sede implicam que, se a cidade decidir cancelar a Olimpíada, os custos financeiros ficariam apenas para o comitê local.

A questão, porém, vai muito além do dinheiro. O próximo grande evento esportivo do comitê, a Olimpíada de Inverno de 2022, será realizada na China. Devido à rivalidade histórica entre os países, o Japão quer mostrar que pode fazer um bom trabalho. Na política, o primeiro-ministro jáponês, Yoshihide Suga, segue pressionado pela oposição, que exige o adiamento ou cancelamento do evento.

PREOCUPAÇÃO Insatisfação popular: alta de casos de Covid-19 coloca o Japão em seu pior momento de toda a pandemia (Crédito:Issei Kato)

“Minha prioridade tem sido proteger a vida e a saúde da população japonesa. Devemos primeiro prevenir a propagação do vírus”, disse ele, em audiência no congresso. A maior estrela do esporte no país, a campeã de tênis Naomi Osaka, foi uma das poucas atletas que falaram sobre o assunto. “É claro que quero que a Olimpíada aconteça”, disse a tenista na semana passada à rede BBC. “Mas sinto que os jogos estão colocando as pessoas em risco, então definitivamente deveria haver uma discussão mais profunda sobre o assunto. No final do dia, porém, sou apenas uma atleta e há toda uma pandemia acontecendo.”

TECNOLOGIA Perfeccionismo japonês: tudo pronto para aquela que seria a maior Olimpíada de todos os tempos (Crédito:Issei Kato)

Desde o início dos jogos modernos, as olimpíadas foram canceladas apenas três vezes, em decorrência das guerras mundiais em 1916, 1940 e 1944. Curiosamente, os jogos de 1940 seriam realizados no Japão, então aliado da Alemanha e Itália. O país só voltou a participar de jogos olímpicos em 1964, quando buscou a oportunidade de mostrar que era um “novo Japão”.

Muitos atletas brasileiros têm compartilhado imagens das condições improvisadas em que treinam em suas redes sociais. É o caso de Darlan Romani, do arremesso de peso, que chegou a usar o terreno do vizinho para praticar. Isso, no entanto, não parece ter abalado seu espírito: ele posta sempre mensagens de garra e esperança. Em parceria com o governo federal, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) divulgou imagens do próprio ministro da saúde, Marcelo Queiroga, administrando vacinas nos atletas classificados. A chamada “Missão Europa”, uma bolha anti-Covid que consiste em enviar atletas para países onde as condições de treinamento eram melhores, também foi tida como um sucesso pelo COB, com 114 atletas remanejados. A Confederação Brasileira do Skate (CBSK), esporte que estreia nos Jogos Olímpicos, está nos EUA, onde busca ainda mais classificações para levar a Tóquio. “Desde fevereiro, quando o calendário foi retomado, temos seguido o planejamento. Não pensamos no adiamento ou cancelamento dos Jogos. Temos certeza de que nossos atletas estarão bem no aspecto técnico, físico e psicológico”, diz Eduardo Musa, presidente da CBSK. Além do skate, também fazem suas estreias o surfe e o caratê.

Até agora há 224 atletas classificados, mas a expectativa do COB é chegar a pelo menos 300 participantes. Na última Olimpíada, realizada no Rio de Janeiro, o Brasil ficou na 13° posição no quadro de medalhas. Outra novidade nos jogos é a permissão do uso, sem ser considerado doping, dos produtos derivados dos canabinóides. Depois de examinar uma vasta pesquisa e provas científicas sobre a utilidade do Canabidiol (CBD), a Agência Internacional Antidoping tomou a decisão de suspender sua proibição em 2019. Em sua nova lista de substâncias proibidas, a agência afirma que os canabinóides são permitidos desde que a quantidade de Tetrahidrocanabinol (THC) presente nessas substâncias não ultrapasse o limite permitido. Ou seja: a cannabis na forma de cigarros de maconha segue proibida.

Se o Japão conseguir demonstrar a segurança dos atletas e do público, pode ser que sua tão esperada Olimpíada seja um sucesso. A grande dúvida é: será que a humanidade terá o que comemorar durante quase dois anos tão difíceis? Daqui a dois meses, teremos a resposta.