Sempre achei bonita a forma como o corpo humano é retratado na pintura. Cada artista tem uma interpretação, um olhar e um desenho interessante. Mas, de uns anos para cá, comecei a me incomodar profundamente com o abismo entre homens e mulheres e com as diferenças entre nus femininos e nus masculinos.

A arte é livre e deveria ser aberta para todos, da mesma forma e pelo mesmo valor. Porém, definitivamente, ainda não há equilíbrio entre mulheres e homens artistas nos cenários da arte moderna e da arte contemporânea mundial. No Metropolitan de Nova York, um dos maiores e mais importantes museus do mundo, apenas 5% das obras são de artistas mulheres, enquanto 85% são de nus femininos.

Vale a pena procurar na Internet os cartazes feitos há alguns anos pelo grupo ativista Guerrilla Girls. Elas questionaram o universo da arte ao perguntar se precisam ficar nuas para poderem entrar nos museus mais famosos do mundo, uma vez que a quantidade de artistas mulheres e de exposições individuais é ridícula. Em Nova York, por exemplo, os grandes museus expõem uma vez ao ano apenas para cumprir tabela.

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O movimento ativista também questionou internacionalmente a falta de diversidade e de pluralidade no mundo das artes, com uma visão engraçada. Em cartazes, diziam com um humor aguçado as vantagens de ser uma artista mulher: trabalhar sem a pressão de sucesso, não ter que participar de exposições com homens, saber que sua carreira pode decolar quanto tiver oitenta anos, estar segura que sua arte será rotulada de feminina (independentemente do estilo), ver suas ideias tomarem vida nos trabalhos dos outros (homens), não ter constrangimento de ser chamada de gênio e ter mais tempo para trabalhar quando seu marido lhe deixar por uma mulher mais nova. Risos!

No Brasil, temos algumas mulheres de relevância internacional, como Lygia Clark, Lygia Pape, Anita Malfatti e Mira Schendel. Mas a quantidade ainda é pífia e não representa a pluralidade que temos na sociedade brasileira. Por isso, foi uma enorme alegria ver a exposição ‘individual’ de Tarsila do Amaral em Nova York e, depois, no Brasil.

Tarsila é a principal pintora de arte brasileira moderna, na minha opinião. Considero a sua obra e a sua história muito mais impactante que a de Frida Kahlo. Teve habilidade para concretizar os ideais modernistas, incluir brasilidade em suas obras e incorporar influências do que existia de mais moderno na Europa naquela época.

Nasceu em 1886, mas só começou a pintar perto dos 30 anos. Turbinou suas ideias ao se conectar com grupos compostos por artistas e intelectuais como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Menotti del Picchia e Anita Malfatti. Morou em Paris em 1923 para dedicar-se ao desenvolvimento da pintura modernista. Produziu nesse período a tela “A Negra” e absorveu conceitos do Cubismo ao estudar com artistas como Fernand Léger e Albert Gleizes. Teve a sorte de poder frequentar ateliês de pintores como Picasso, De Chirico, Breton e Stravinsky.

Ao retornar ao Brasil, produziu obras ícones como “A Gare”, “São Paulo”, “O Vendedor de Frutas” e “Religião Brasileira”. Produziu quadros maravilhosos como “Urutu”, “Antropofagia”, “Sol Poente”, “Cartão Postal” e “Operários”, quadro produzido após uma viagem a Moscou, onde fez uma exposição em 1931.

“Abaporu” é o quadro brasileiro de maior valor vendido até hoje. Foi comprado por US$ 1,5 milhão pelo banqueiro argentino Eduardo Costantini e atualmente está exposto no Museu Malba. Tarsila chegou a dizer que pintou essa obra, que é o marco inicial de sua fase antropofágica, para impressionar Oswald de Andrade, com quem estava casada na época.

O quadro “Abaporu”, pintura a óleo da artista brasileira Tarsila do Amaral (Crédito:Reprodução)

Poucas pessoas sabem, mas em 1929, com a crise do café no Brasil, seu pai perdeu praticamente toda a fortuna e ela trabalhou como colunista nos Diários Associados. Quem sabe após a crise do Covid-19, a minha esperança aumente para eu ter meus quadros expostos no Museu Malba. Aceito a venda por um valor menor… Risos e bom dia a todos.