Em 2018 o Brasil vivia em um clima antiestablishment e, em decorrência, expurgou pelas urnas velhas raposas do Congresso, emplacando centenas de outsiders. Agora, a chamada nova política não deverá ter vez. Prognósticos de consultores para assuntos legislativos e cientistas políticos apontam para a mais baixa renovação da Câmara dos Deputados desde a redemocratização e para a eleição de antigos e já conhecidos figurões ao Senado. O Parlamento que entra em cena em 2023 terá, assim, o mesmo elenco que travou reformas estruturantes, poupou da cassação de mandatos nomes enrolados na Justiça e aumentou a concentração de poder em suas próprias mãos, dando fôlego a investidas controversas e nada republicanas como as do orçamento secreto. Não faltam justificativas para essa projeção de “mais do mesmo” – e o ciclo vicioso da política está entre elas. Para garantir gordas fatias da verba, dirigentes priorizam candidatos à reeleição, velhos conhecidos da população, na distribuição de recursos às campanhas. Como quem tem mais dinheiro costuma ir mais longe, o Parlamento acaba, quase sempre, com uma nova velha cara.

Não é mera tese, e a prova está nos números. Dos 503 deputados federais em exercício, 432 buscam a reeleição com apoio de recursos públicos. O grupo recebeu R$ 787,7 milhões dos partidos, o que resulta numa média de R$ 1,8 milhão para cada candidato, segundo levantamento realizado por ISTOÉ com base em dados encaminhados ao TSE até a terça-feira 27. Os demais 7.464 postulantes ao Salão Verde, contemplados pelo fundão, conseguiram, juntos, R$ 1,8 bilhão – na média, R$ 251 mil para cada. Além do “empurrãozinho”, os aspirantes à reeleição contam com a máquina – dispõem, por exemplo, de um fundo para a divulgação de ações do mandato. Na lista dos que se lambuzaram com a dinheirama estão arautos da nova política, como Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro. Mas a explicação não está apenas na área financeira. A cabeça do eleitor mudou, o que, por si só, já é suficiente para reduzir a presença de estreantes no Congresso. “A imersão do País em ambiente pós-crise sanitária, com desestabilização política e econômica, reduz espaço para o eleitor se arriscar e o leva a querer eleger nomes que saibam mexer o doce. Ou seja: pessoas que resolvem problemas com moderação”, diz o cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás Robert Bonifácio. “Em 2018 a onda de renovação foi motivada pelo combate à corrupção, puxada por nomes como Sergio Moro, que chegou a aparecer em pesquisas feito uma das personalidades políticas mais queridas do Brasil. Mas esse cenário alternou-se drasticamente”.

A primeira batalha

Roseana Sarney, filha do ex-presidente José Sarney, mira o Salão Verde com ambicioso plano: pavimentar o caminho para, no início do próximo biênio, concorrer ao comando da Câmara. A ex-ministra Tereza Cristina e Flávia Arruda, esposa do ex-governador do DF José Roberto Arruda, debutarão no Senado. Enquanto isso, políticos que amargaram a submersão preparam-se para voltar, a exemplo de Renan Calheiros e do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre – após romper com Bolsonaro e não conseguir eleger o irmão como prefeito de Macapá, alinhou-se a Lula. Se o petista vencer a queda de braço contra Jair Bolsonaro, no Salão Azul, congressistas palpitam que Rodrigo Pacheco tende a se reeleger com o apoio de Lula. A grande incógnita é a posição do ex-presidente em relação a Arthur Lira – segundo aliados, “esse é um assunto sobre o qual Lula não quer falar antes do primeiro turno” e de conversas com emissários do Progressistas. Apesar da iminente alta taxa de reeleição, o número de partidos representados na Casa deve cair de 30 para 23, conforme análise do Instituto Ideia, comandado por Maurício Moura – provocado pela cláusula de desempenho, o fenômeno resultará na concentração de poder em menos mãos. As dez maiores bancadas deverão, respectivamente, ser PL, PT, PP, União Brasil, PSD, Republicanos, MDB, PSB, PSDB e PDT.

O perfil do Legislativo será, portanto, de centro-direita. “O Congresso não deve ser tão conservador quanto o eleito há quatro anos, mas o espectro político manterá a predominância. Se, no início da Nova República, como cunhou José Sarney, nós tínhamos a percepção de que quase todo mundo era de esquerda ou centro-esquerda, passados mais de 30 anos da promulgação da Constituição é a centro-direita que surge protagonista”, diz o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco Ernani Carvalho. O nível da influência do Parlamento sobre o Planalto, por sua vez, depende do futuro do orçamento secreto. Deputados e senadores avaliam que não será fácil para o STF nem para o futuro presidente minar o poder conquistado pelo Congresso sem a apresentação de uma “contraproposta justa”. Em bom português, essa será uma das grandes primeiras batalhas da próxima legislatura.