INFLUÊNCIA Embora seja menor que concorrentes como Facebook e TikTok, o Twitter concentra os principais debates públicos no planeta (Crédito:Jim Wilson/ The New York Times)

O anúncio da compra do Twitter pelo empresário Elon Musk, homem mais rico do mundo, promete transformações profundas na mídia social e já causa insatisfação nos usuários tradicionais. Dono da SpaceX, que planeja viagens de humanos para Marte nesta década, e da fabricante de carros elétricos Tesla, Musk vê o Twitter como uma praça pública global frequentada por pessoas influentes que discutem os temas fundamentais do planeta. É esse espaço de debate que ele quer dominar. Usuário polêmico da plataforma, que já teve conflitos com a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), ele justificou a compra dizendo ser “um absolutista da liberdade de expressão”. Anunciou também que sua intenção é mudar as políticas de moderação do serviço, que se tornarão mais brandas tendendo a favorecer discursos extremistas. O raciocínio de Musk é tortuoso e ele considera que o Twitter virou uma espaço de censura que precisa ser libertado. Para adquirir a rede, irá desembolsar US$ 44 bilhões (R$ 220 bilhões) ou US$ 54,20 por ação, O custeio da operação virá de créditos obtidos por Musk com o banco Morgan Stanley de US$ 23 bilhões e de US$ 21 bilhões de sua fortuna pessoal, principalmente em ações da Tesla.

O negócio ainda precisa ser aprovado pelos acionistas e pelos órgãos reguladores, o que deve acontecer até o fim do ano. Investidores também consideram a possibilidade de Musk desistir da transação, caso ela possa prejudicar seus outros empreendimentos. Mas se a venda se concretizar, ele pretende fechar o capital da companhia, o que deve restringir sua transparência e impor uma gestão autocrática, baseada em sua visão pessoal. Ele é crítico das políticas de contenção de fake news e dos limites aos discursos de ódio estabelecidos atualmente na plataforma. “Quero tornar o Twitter melhor do que nunca, aprimorando o produto com novos recursos, tornando os algoritmos de código aberto para aumentar a confiança, derrotando bots de spam e autenticando todos os humanos”, disse em comunicado sobre a aquisição. “A liberdade de expressão é a base de uma democracia funcional e o Twitter é a praça digital onde temas vitais para o futuro da humanidade são debatidos”. O problema é que o Twitter precisa respeitar as normas dos países onde funciona e se adaptar às leis locais, sem estimular jogadas políticas inescrupulosa. A liberdade de expressão preconizada por Musk tem limites e não pode ser considerada um valor universal e nem uma virtude em si.

No ano passado, o Twitter faturou US$ 5 bilhões, 37% mais do que em 2020, mas a operação se manteve no vermelho. A plataforma tem dificuldade de monetização e Musk estuda um modelo de cobrança de assinaturas, mas também pensa na expansão dos negócios com bitcoins. O motivo para abandonar o modelo publicitário é a capacidade limitada da rede de atrair anunciantes. Embora diga que faz a compra para o “bem da sociedade” e não com objetivos de lucro imediato, um dos desafios do empresário será tornar o Twitter lucrativo e não apenas um brinquedinho ideológico. O mercado duvida da capacidade de Musk fazer dinheiro com o serviço. Um reflexo desse ceticismo foi a queda de 11% das ações da Tesla no dia seguinte ao anúncio da compra do Twitter. Diante da desconfiança do mercado, os papéis perderam 11% do valor ou cerca de US$ 100 bilhões. Em 2020, o Twitter teve um prejuízo de US$ 1,13 bilhão e, no ano passado, as perdas totalizaram US$ 221,4 milhões, graças, principalmente, ao excelente desempenho no quarto trimestre de 2021. Antes de anunciar a compra da totalidade das ações da plataforma, Musk havia adquirido em fevereiro uma participação de 9,2% na empresa.

POLÊMICA Usuário ativo do plataforma, Musk espera que seus piores críticos continuem no Twitter: “É isso que significa liberdade
de expressão” (Crédito:Divulgação)

Embora relevante e influente, o Twitter é bem menor do que os seus concorrentes diretos. A rede informou ter alcançado 217 milhões de “usuários ativos diários monetizáveis” (mDAU, na sigla em inglês) em dezembro, um avanço de 13,02% sobre os 192 milhões registrados um ano antes. É muito menos do que o Instagram, que tem 2 bilhões de usuários, ou que o Facebook, com 1,9 bilhão. O TikTok, criado em 2016, dez anos depois do Twitter, alcançou 1 bilhão de adesões no final do ano passado. O Brasil, que teve 19 milhões de pessoas acessando o serviço em janeiro representa a quarta base do Twitter no mundo, atrás dos Estados Unidos, Índia e Indonésia. Por aqui, o serviço tem muita força e mostrou que pode ser decisivo em eleições. Em termos qualitativos nenhuma outra mídia social concentra tantos influenciadores políticos e discussões tão acaloradas sobre temas de atualidade, com grande repercussão e impacto na sociedade. Diariamente são feitas, mundialmente, cerca de 500 milhões de postagens na plataforma. Musk é um usuário bastante ativo e tem 87 milhões de seguidores.

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Um dos desafetos bilionários de Musk, Jeff Bezos, segundo homem mais rico do mundo e seu concorrente na corrida espacial, mencionou que o Twitter pode ter agora uma posição na China, já que Musk, por meio da Tesla, mantém uma relação especial com o país. A Tesla produz metade de seus veículos na China, onde compra também a maior parte de suas baterias. Mas o Twitter está oficialmente banido do país desde 2009. Apesar disso, é utilizado por diplomatas e altos funcionários do governo para defender os interesses de Pequim. Há dois anos, o Twitter baniu 170 mil perfis que promoviam campanhas de desinformação contra o movimento pró-democracia em Hong Kong e contra os Estados Unidos. Resta saber a como Musk agirá em relação à China. Bezos insinua que a influência chinesa no Twitter deverá aumentar por conta dos interesses do concorrente. “O governo chinês acabou de ganhar um pouco de influência na praça pública”, ironizou.

A União Europeia também observa criticamente a venda do Twitter e já alertou Musk de que o serviço deverá cumprir as regras locais ou poderá sofrer sanções que incluem desde suspensão até o banimento completo. Os órgãos reguladores temem o avanço dos discursos de ódio e do pensamento negacionista. Atualmente, o Twitter impede a propagação de informações enganosas sobre a Covid-19 ou notícias que envolvam a manipulação de processos eleitorais. O cofundador do Twitter, Jack Dorsey, elogiou a intenção de compra de Musk e seu projeto para a rede. “A princípio, não acho que ninguém deve ser dono ou comandar o Twitter. Ele quer ser um bem público”, afirmou. Para Dorsey, é uma ótima solução o fechamento de capital. Segundo ele, depois de entrar na Bolsa de Valores, a empresa passou a ser “uma propriedade de Wall Street e dependente do modelo de anúncios”.

Para o presidente Jair Bolsonaro, que já teve várias publicações excluídas do Twitter, os efeitos imediatos foram positivos. Sua conta ganhou 88 mil seguidores em dois dias. Acusado de usar robôs para apoiar suas postagens, o brasileiro aprovou a venda para Musk. Seus seguidores também deram demonstrações de satisfação com o negócio. A deputada Bia Kicis (PL-DF) disse, por exemplo, que o anúncio é “um importante passo na luta pelas liberdades”. Bolsonaro chegou a compartilhar um tuíte de Musk na qual o empresário diz esperar “que mesmo os meus piores críticos continuem no Twitter porque isso é o que liberdade de expressão significa”. A visão de Musk agrada os conservadores que acreditam terem sido censurados pela plataforma. Direitistas de todo o mundo viram o negócio como um atalho para o ex-presidente Donald Trump voltar para a rede.

SOLUÇÃO O cofundador do Twitter Jack Dorsey defende o
fechamento de capital da companhia (Crédito:Bill Clark)

A conta de Trump foi suspensa no Twitter depois da acusação de que ele incitou os tumultos no Capitólio, em janeiro de 2021. Pensava-se que a mudança de comando do serviço o atrairia de volta, mas ele já disse que que vai cuidar da sua própria plataforma, a Truth Social, que nos últimos dias se tornou o aplicativo gratuito mais baixado na App Store. Foram feitos mais de 1,5 milhão de downloads. Na quarta-feira, 27, pelo Twitter, Musk dizia que a Truth (verdade) deveria se chamar Trumped (trombeta) e que a rede de Trump só existe porque o Twitter impediu a liberdade de expressão. “Para que o Twitter mereça a confiança do público, ele deve ser politicamente neutro, o que significa perturbar a extrema direita e a extrema esquerda igualmente”, afirmou. Pode ser, mas a impressão inicial é que a direita começa a levar vantagem no projeto do bilionário.