A nova isenção do Imposto de Renda: alívio social ou risco fiscal?

Joédson Alves/Agência Brasil
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O Congresso Nacional volta a discutir uma das mudanças mais sensíveis para o bolso do brasileiro: a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). A proposta do PL 1.952/2019, de autoria do senador Eduardo Braga (MDB/AM), prevê elevar a isenção mensal de R$ 1.903,98 para R$ 4.990,00 — o equivalente a quase cinco salários-mínimos em 2019 —, corrigindo uma defasagem que, segundo cálculos do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, já superava 88% desde 1996.

O impacto social é evidente. Estima-se que 12,3 milhões de contribuintes atualmente tributados se tornariam isentos. Em um país onde a renda é comprimida pela inflação e pelos encargos regressivos sobre consumo, o alívio no contracheque fortalece a capacidade de consumo das famílias de baixa e média renda, justamente aquelas que sustentam a maior parte da demanda interna. A medida tem potencial de aumentar o poder de compra, estimular o comércio local e reduzir a percepção de injustiça tributária.

No entanto, toda renúncia fiscal traz a pergunta: quem paga a conta? Para equilibrar a redução do IRPF, o projeto propõe tributar lucros e dividendos à alíquota de 15% na fonte, extinguir a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio e reduzir isenções sobre ativos financeiros hoje voltados a grandes investidores. O argumento central é de justiça fiscal: retirar privilégios de quem concentra renda e aliviar quem paga proporcionalmente mais.

Do ponto de vista econômico, há um duplo movimento. A isenção amplia o consumo das camadas populares, com efeito multiplicador na economia real. Por outro lado, a tributação de dividendos e o fim de benefícios financeiros tendem a estimular o reinvestimento no setor produtivo, reduzindo a preferência por retirar lucros. Países da OCDE já trilham esse caminho, combinando menor carga sobre empresas com maior tributação sobre rendimentos de capital.

No campo fiscal, as estimativas variam entre R$ 26,8 bilhões e R$ 42,2 bilhões de ganho líquido anual para os cofres públicos, a depender do comportamento dos agentes econômicos. Estados e municípios também seriam beneficiados, já que parte da arrecadação do Imposto de Renda é constitucionalmente repartida.

Mas os desafios permanecem. Uma isenção ampla pode ser percebida como medida de alívio imediato, sem atacar a raiz do problema: a ausência de uma correção periódica da tabela. Além disso, a tributação de dividendos, embora justificada sob o ponto de vista da equidade, exige cautela para não desestimular investimentos em startups, pequenas empresas ou setores mais sensíveis a custos de capital.

Em última análise, a proposta reflete um dilema histórico da política tributária brasileira: como aliviar a carga da maioria sem comprometer o equilíbrio fiscal e sem criar distorções econômicas? O resultado dependerá da calibragem entre justiça social, competitividade empresarial e disciplina fiscal.

O que está em jogo não é apenas o valor que o contribuinte deixará de pagar em abril, mas o desenho de um sistema tributário mais próximo dos padrões internacionais e menos perverso para quem ganha menos.

Caio Bartine é pós-doutorando em Direito pela Univeristà degli Studi di Messina (Itália) e pela Universidade de Bolonha (ITÁLIA). Doutor em Direito (PUC-RJ) e em Ciências Jurídicas (UBA-AR). Bacharel em Economia. Sócio Fundador do escritório Ribeiro & Bartine Sociedade de Advogados. Professor e advogado.