O Brasil é o sétimo maior produtor de cacau no mundo, com produção aproximada de 200 mil toneladas por ano, um número aquém do seu potencial. Segundo especialistas, o cacau no Brasil não requer uma plantação artificial. O fruto nativo é “plantado por Deus”, brinca César De Mendes, chocolatier que é filho de mãe quilombola e pai ribeirinho. Ele é um dos inspiradores da produção de chocolate na Amazônia, uma das novas fronteiras do cacau no Brasil. Apesar de o fruto ser originalmente da região Norte, foi na Bahia e em estados nordestinos que ele se notabilizou. Agora isso está mudando.

SABOR LOCAL César De Mendes é um dos pioneiros do cacau amazônico. Abaixo, uma ribeirinha prepara a barra do chocolate. Abaixo, a secagem da castanha extraída do fruto, em Acará Açu (PA) (Crédito:Divulgação)

Nascido em Macapá (AP) e criado em Belém, De Mendes é um dos maiores incentivadores dessa nova vertente. Ele é um dos precursores do projeto de biofábricas móveis do Instituto Amazônia 4.0, que visa a fomentar uma nova bioeconomia na floresta amazônica pelas mãos de comunidades ribeirinhas, indígenas e povos tradicionais, que colhem ou plantam o cacau em sistema de agrofloresta para produzir um chocolate com “terroir” amazônico.

Os primeiros protótipos das fábricas começam a chegar à região em março. “O cultivo principalmente nas lavouras cacaueiras aqui no Pará vem crescendo, melhorando bastante a questão da qualidade, e isso é um ponto muito interessante para a compreensão e a percepção de valor no mercado”, diz De Mendes. Estudo da Embrapa e instituições parceiras comprovou que a expansão sustentável do cacau tem sido benéfica para a Amazônia, integrando geração de emprego e renda à preservação da floresta. O Pará já se tornou o maior produtor desse fruto no País, gerando R$ 1,8 bilhão de receitas — 51% do total nacional.

“A região amazônica é muito importante na história do cacau. Acredito no potencial do produto brasileiro e acho que podemos alcançar o topo da lista, como uma das referências mundiais”, afirma Carolina Neugebauer, CEO da Cacau Noir, fábrica de chocolate que usa 95% do cacau da região amazônica. Ela se refere ao fato de que a iguaria local já chama a atenção do mercado internacional. Com o cacau voltando à pauta de governos estaduais — principalmente de Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia —, de ONGs e da iniciativa privada, é possível ver o fortalecimento da cadeia, mas ainda há muitos entraves para fazer com que a produção “bean-to-bar” (do fruto até o chocolate fino) fique mais robusta e consistente.

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“Todos os lugares em que a gente prospecta cacau são ameaçados de uma maneira ou de outra. Pelo negócio, pelo garimpo, pela monocultura do açaí ou pela pecuária, sempre há algo que dificulta chegarmos a um bom resultado tanto na produção como na remuneração do produtor”, alerta Coi Belluzzo, da Cacaucoi, fábrica de chocolates artesanais finos. Hoje, os ribeirinhos e quilombolas fermentam o cacau e vendem à indústria ou aos atravessadores por um valor entre R$ 10 e R$ 12 o quilo. Com as novas iniciativas, como as biofábricas itinerantes do Instituto Amazônia 4.0, esse produtor pode receber até R$ 40 por quilo.

Já se sabe que atualmente há cerca de duas mil espécies nativas na região amazônica, sendo três os tipos mais conhecidos: o forasteiro, o crioulo e o trinitário. Cada um deles proporciona um sabor diferente nas receitas, o que tem atraído os olhares dos chocolateiros no mundo todo. “O cacau amazônico acabou sendo mais atrativo dentro desse novo cenário do chocolate de ‘terroir’, porque ele traz esse fator exótico da floresta. Esse cacau tem um potencial muito grande, mas ainda é um desafio”, afirma Bruno Lasevicius, presidente da Associação Bean to Bar Brasil.