Apesar de já ter interpretado dezenas de personagens e se apresentado diante de milhões de brasileiros, a atriz Fernanda Montenegro se prepara para enfrentar uma plateia inédita: os imortais da Academia Brasileira de Letras. Em março de 2022, trocará os palcos pelo Salão Nobre da ABL, onde discursará antes de tomar posse na cadeira 17, que pertencia ao diplomata Affonso Arinos de Mello, morto em março de 2020. Também será a primeira vez que Fernanda, que já vestiu figurinos diversos, de trajes de rainha a vestidos de noiva, usará o famoso fardão verde-oliva bordado com fios de ouro, vestimenta que chega a custar R$ 70 mil — a cidade do Rio de Janeiro deve arcar com os custos em forma de homenagem, como já anunciou o prefeito, Eduardo Paes.

Aos 92 anos, Fernanda é a primeira atriz a ingressar na ABL desde sua fundação, em 1897. Acredita que sua eleição é uma conquista pessoal, mas também um sinal dos tempos. “Essa aceitação seria impossível cem anos atrás. Caminhamos, e muito. Louvada seja a ABL.” A primeira mulher a ser aceita lá foi a escritora Rachel de Queiroz, em 1977. A votação que elegeu Fernanda, em novembro, coroou este que foi mais um ano atípico na carreira da grande dama da TV e do teatro no País. Acostumada à rotina pesada de filmagens por décadas, desde o início da pandemia ela tem passado boa parte do tempo no sítio da família em Secretário, bairro de Petrópolis, na serra carioca. Lá convive com os netos, a filha, a atriz Fernanda Torres, e seu marido, o diretor Andrucha Waddington. Fernando Torres, com quem Fernanda ficou casada mais de cinco décadas, faleceu em 2008. Mas ainda é presente na vida da atriz. No último 14 de novembro, quando ele faria 94 anos, ela postou uma homenagem: “Fernando, formamos uma família, querido amor da minha vida. Querido amor de uma vida. Saudades eternas”, escreveu.

A atriz tem planos para retomar dois projetos em 2022: os monólogos Nelson Rodrigues por ele Mesmo, que ela chegou a encenar em formato de live durante o período de isolamento, e Viver sem Tempos Mortos, de Simone de Beauvoir. Em 2021 Fernanda comemora uma data simbólica: em 1951, há exatos 70 anos, ela era a primeira atriz contratada pela recém-criada TV Tupi, do Rio Janeiro. Passou a integrar o elenco fixo das obras de teleteatro, formato que serviu de embrião para as novelas. Entre 1951 e 1953, participou de cerca de 80 peças, exibidas nos programas História do Teatro Brasileiro e Retrospectiva do Teatro Universal.

Apesar da alegria com a eleição para a ABL, Fernanda viu 2021 como um período nefasto para a cultura. “Que ano trágico. Triste ver que o Ministério da Cultura é apenas uma secretaria do Ministério do Turismo. Vivemos um retrocesso que só será reversível se um político respeitado, responsável, ganhar as próximas eleições”, afirma. Fernanda avalia que, no Brasil de hoje, o artista não pode estar apenas restrito a sua área. “Todo cidadão é um ser político, mesmo quando ele acha que não está se posicionando politicamente.

Grande dama do teatro, cinema e TV

Antes de ser Fernanda Montenegro, ela era Arlette Pinheiro Esteves da Silva. A TV Tupi achou que seu nome de batismo era “muito comum” e pediu que escolhesse algo mais forte. De força ela entendia: já havia enfrentado uma infância pobre, no bairro de Campinho, subúrbio do Rio de Janeiro. A família mudou-se depois para Belo Horizonte (MG), onde Fernanda cresceu e entrou para o teatro aos oito anos. Em sua autobiografia, Prólogo, Ato, Epílogo, ela recorda a sensação de “estar flutuando” quando estava no palco. Foi secretária e professora, mas tudo mudou quando passou em um concurso para locutora da Rádio MEC, do Ministério da Educação. A participação em Teatro da Mocidade, aos quinze anos, foi o primeiro papel profissional. Nunca imaginaria que, décadas depois, em 1998, se tornaria a primeira — e única, até hoje — atriz brasileira a ser indicada ao Oscar, por “Central do Brasil”, filme de Walter Salles. O prêmio de Hollywood lhe escapou, mas a personagem Dora lhe rendeu o Urso de Prata, no Festival de Berlim. Também ganhou o Emmy Internacional, o Oscar da TV, pela atuação no filme “Doce de Mãe”, em 2013. Questionada pela ISTOÉ sobre sua personagem favorita nessa longa carreira, Fernanda age como uma mãe que não escolhe filhos favoritos: “Nesses meus 92 anos , todos me dão saudade. Muita saudade.”