O presidente Luiz Inácio Lula da Silva trocou o comando da Petrobras, indicou técnicos de confiança que, a partir da saída de Roberto Campos Neto, serão maioria no Banco Central e, de quebra, agarrou com as unhas e dentes o plano em gestação no Ministério do Meio Ambiente para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas no Brasil. É um novo momento do Lula 3, que parte com tudo para colar em seu principal adversário, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o carimbo da destruição ambiental como estratégia para enfrentar a extrema direita entrincheirada no segmento mais atrasado do agro brasileiro, ao qual especialistas atribuem boa parte da degradação que potencializou a calamidade no Rio Grande do Sul, com o comprometimento dos parâmetros de proteção à floresta amazônica.

E não é um selo artificial. Nos quatro anos de Bolsonaro, o País perdeu 6,6 milhões de hectares de cobertura vegetal, o equivalente em extensão territorial a um estado e meio como o Rio de Janeiro, além, é claro, do desmonte dos órgãos ambientais e do rastro de destruição deixado em garimpos ilegais que fizeram parte da política do governo anterior. Na terça-feira, 20, percebendo que a bandeira climática pode afetá-lo, Bolsonaro fez uma visita à cúpula da poderosa Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), acompanhado de um dos filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Na reunião de portas fechadas com duas dezenas de deputados e senadores de direita na mansão da FPA no Lago Sul, em Brasília, o ex-presidente acusou o golpe: pediu apoio da bancada ruralista, um sintoma de que o agro radical, que gravita no bolsonarismo, está mal na foto diante das tragédias ambientais.

A nova estratégia de Lula: carimbar Bolsonaro com o selo da destruição ambiental
A presença de Pimenta com poderes de ministro assustou o PSDB gaúcho e a direita bolsonarista (Crédito:Divulgação )
A nova estratégia de Lula: carimbar Bolsonaro com o selo da destruição ambiental
Sob pressão da direita e da esquerda, Leite acusa o desconforto da máquina federal no Estado (Crédito:Divulgação )

Com menos de um ano e meio de governo, Lula assume agora uma postura que, segundo especialistas, adotou também no primeiro mandato depois de quase naufragar no mensalão.
O presidente pegou firme as rédeas da máquina federal e quer a Petrobras, Banco Central e estatais sob seu comando e controle, alinhados com a política de seu governo, seja na produção de petróleo e gás ou na derrubada dos juros para, como quer o mercado, atrair investimentos e implementar as políticas sociais que sempre foram sua marca.
Com a saída de Roberto Campos Neto do BC, em 31 de dezembro, e a posse da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, o governo abre caminho para fortes mudanças na economia.
Em nenhuma delas, no entanto, ele apostou tanto como no caso da crise climática. Lula se comprometeu a reduzir as emissões e a reduzir a zero o desmatamento na Amazônia até 2030, algo que vem conseguindo.
Mas deixou com a ministra Marina Silva a responsabilidade por um ousado plano de governo destinado a apontar os caminhos para atenuar os impactos dos extremos do clima, ao mesmo tempo em que instruiu outros órgãos do governo, inclusive a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), a participar dos esforços para evitar as sucessivas tragédias provocadas por enchentes, deslizamentos de terra e os incêndios florestais.

O cientista político Leonardo Barreto diz que Lula agiu rápido e, de olho numa bandeira política que estava em falta no núcleo governista, não repetirá o erro de seu antecessor no trato da pandemia. “Lula tem um instinto agudo de sobrevivência. Percebeu o tamanho da ameaça climática e vai usar as ações do governo na redução da tragédia para se diferenciar de Bolsonaro e se reconectar com a população. A disposição de exercer o poder e ocupar os espaços não tem paralelo na trajetória dele”.

A nova estratégia de Lula: carimbar Bolsonaro com o selo da destruição ambiental
Haddad fará uma transição suave no BC com a saída de Campos Neto: Lula quer a autarquia ajustada à política de juros baixos (Crédito:Lula Marques/ Agência Brasil)

Plano marshall

No momento mais agudo da tragédia gaúcha, o governador Eduardo Leite (PSDB) chegou a sugerir que só um “Plano Marshall” poderia recuperar o estado, um “cavalo encilhado” que Lula não deixou passar. O presidente articulou um mutirão ministerial, levantou cerca de R$ 60 bilhões de recursos federais que serão canalizados ao estado para socorrer a população e, passando um trator por cima dos adversários, criou uma Secretaria Extraordinária de Reconstrução, com status de Ministério, para cuidar do Rio Grande do Sul e, como autoridade federal, nomeou o deputado licenciado e ex-ministro da Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta.

Ele deixa o governo entregando um Lula com popularidade baixa, mas, como pré-candidato ao governo estadual, virou a única esperança de resgate do PT gaúcho, que vive uma abstinência de poder desde o governo de Tarso Genro, encerrado em 2015.

Com a mudança, Lula não só mexe na comunicação do governo, como faz da crise climática uma trincheira contra o bolsonarismo, algo que a direita já percebeu. “Ele quer usar a tragédia como arma eleitoral contra nós. Criou um ministério extraordinário e indicou um ‘biônico’ com a autoridade que pertence ao governador Eduardo Leite. É oportunismo político”, reagiu o senador Eduardo Girão (Novo-CE), que se diz independente, mas é ligado a Bolsonaro e integra a bancada ruralista da FPA.

Os protestos partiram também do PSDB. O deputado Aécio Neves (MG) saiu em defesa de Leite, acusando Lula de fazer intervenção no Rio Grande do Sul e de politizar as ações do governo federal. “Lula abdicou do papel de estadista para optar por cumprir um papel de líder político”, reclamou Aécio, que ainda considerou a indicação de Pimenta como uma “excrecência” que, segundo afirma, gerará conflito entre autoridades. O novo ministro desdenhou, afirmando que não conhecia o neto de Tancredo Neves.

Com o apoio de apenas 13 dos 81 senadores e 70 dos 513 deputados federais, em vez de vociferar contra a maioria conservadora do Congresso, Lula foi à luta judicializando as questões mais importantes para o governo. Conseguiu um marco importante com a decisão do ministro Cristiano Zanin, do STF, que suspendeu os efeitos das desonerações sobre as folhas de 17 setores da economia e municípios com menos de 142 mil habitantes, até que governo e Congresso se entendessem em torno de um novo projeto, que é o que interessava a Lula.

Num ano com eleições municipais, mesmo depois de ter afirmado que não haveria desoneração para ricos, Lula voltou atrás e levantou a bandeira da paz com empresários e os cerca de três mil prefeitos que “marcharam” até Brasília na terça-feira, 20.

A nova estratégia de Lula: carimbar Bolsonaro com o selo da destruição ambiental
Magda Chambriard assume o comando da Petrobras alinhada ao que quer o Palácio do Planalto: a descoberta de novos poços de petróleo sem descuidar da transição energética (Crédito:Fotógrafo André Maceira)

Evento com prefeitos

Num evento ao lado do vice, Geraldo Alckmin, e dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco e da Câmara, Arthur Lira, o presidente anunciou, finalmente, a prorrogação das desonerações, aliviando a folha de pagamento de 5.540 dos 5.570 municípios com a redução de 20% para 8% da alíquota previdenciária.

Dirigindo-se ao líder do governo no Senado, Jaques Wagner (BA), relator do projeto do senador Efraim Filho (União-PB), pediu urgência na aprovação para evitar transtornos aos prefeitos, que já nem sabiam mais como lidar com as folhas depois da decisão de Zanin.

No final, para marcar mais uma vez a diferença com seu antecessor, disse que o Brasil vive um novo momento entre os entes federados. “É assim que esse País vai ser daqui pra frente: republicano, respeitoso e com harmonia. Não permitam que as eleições façam com que vocês percam a civilidade”, disse Lula que, depois de uma pequena vaia abafada pelos aplausos de prefeitos apoiadores, elogiou a receptividade. “Esse País precisa de harmonia, civilidade e compreensão. O carinho com que vocês nos trataram, a mim, o Pacheco e o Lira, significa que o País voltou à civilidade de sempre”.

É um Lula vitaminado. Há poucos dias, ele assistia o avanço da direita pela ascensão de governadores como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ronaldo Caiado, que se afastaram dos extremistas de direita, mas todos estão ao lado de Bolsonaro, como um alerta para a eleição de 2026.

Especialistas chegaram a insinuar que Lula poderia nem sair candidato à reeleição. A crise climática alterou as percepções e Lula orientou os ministérios a se envolverem no mutirão parar retirar da gaveta um plano que ficou conhecido como Brasil 2040, que havia listado mais de mil comunidades construídas em encostas ou vales, consideradas de alta suscetibilidade a desastres por deslizamentos em enchentes. O novo plano, garante o Palácio do Planalto, virá bem mais forte.

A ministra Marina Silva diz que com o novo levantamento o número de comunidades vulneráveis subiu para 1.942, algo em torno de 35% das cidades do País sujeitas a desastres.

O plano que será apresentado a Lula nos próximos dias parte da probabilidade de novos eventos climáticos extremos e a necessidade de obras de proteção ao meio ambiente, que estão sendo avaliadas pelo Ministério do Meio Ambiente.
Uma das mudanças já em curso foi incorporada ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) através da drenagem às margens de rodovias e da recuperação de encostas e da vegetação que ajuda na absorção das águas das chuvas.
Ministérios como os da Fazenda, Planejamento, Transportes, Minas e Energia, Agricultura e Pecuária, Cidades, Ciência e Tecnologia participam da sinergia no esforço de se antecipar aos riscos.
Um projeto com uma nova lei sobre calamidades, com um novo regime jurídico para tratar as emergências climáticas, será enviado ao Congresso. “A ciência recomenda medidas urgentes”, diz Marina, para quem, os órgãos públicos não podem mais entrar em ação apenas quando as tragédias já aconteceram.
A recuperação do Rio Grande do Sul custará, no médio e longo prazo, cerca de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) do País, algo em torno de R$ 120 bilhões, um exemplo clássico de que o custo de reparação é muitas vezes maior do que os investimentos em prevenção.
•  Os ministérios envolvidos buscam agora uma fonte de recursos para viabilizar o plano, que só será entregue ao ministro Rui Costa, da Casa Civil, unificado e pronto para ser anunciado pelo presidente.

O governo avalia que as imagens assustadoras da região metropolitana de Porto Alegre sob as águas não sairão tão cedo da memória da população e deve forçar o Congresso a rever sua agenda legislativa, quase toda voltada para a priorização do agro, em detrimento da preservação do meio ambiente.

Lula fará um grande evento para anunciar o plano que, na avaliação de especialistas, será seu grande trunfo contra a direita bolsonarista em 2026. Leonardo Barreto acha que as eleições municipais deste ano, e de 2026, podem ocorrer num cenário muito diferente das avaliações que antecederam o despertar para as ameaças climáticas. “A polarização (entre Lula e Bolsonaro) pode ter sido prejudicada”.