CRISE A família real no Palácio de Buckingham (acima) e a obra sobre os nobres ingleses: última edição (Crédito:Divulgação)

A editora Debrett, uma das mais conceituadas em todo o mundo pelo zelo e esmero em relação às obras que publica, não mais produzirá o sofisticado e luxuoso livro de capa vermelha que lista há dois séculos e meio os nomes dos principais nobres e aristocratas do Reino Unido. Foram, até hoje, cento e cinquenta edições de “Peerage & Baronetage” (“Nobreza e Baronagem”), sempre com três mil páginas em dois volumes, papel bíblia e diversas ilustrações. Esse ano, no entanto, pela última vez a preciosidade literária para os britânicos está saindo da forma de livro tradicional. Daqui para frente, devido ao alto e crescente custo nos processos de confecção, estocagem e distribuição, “Peerage & Baronetage” existirá somente sob a forma digital, acessível a qualquer cidadão do planeta que possa entrar na internet — e, nesse ponto, convenhamos que não somente a obra mas também a nobreza se democratizou, embora a consulta deva ser cobrada. “Estamos trabalhando em melhorias no nosso banco de dados para tornar as informações disponíveis em meio digital”, informa a assessoria da Debrett, fundada em 1769. “Mas não deixaremos de historiar a fascinante hereditariedade das famílias”.

Cara promoção

Ao demonstrar como é possível estabelecer a identificação dos diversos segmentos sociais do Reino Unido, no interior da própria nobreza, o livro cultua a cultura nobiliárquica – algo imprescindível e vital às estirpes britânicas. Mas, como a obra também traça a genealogia dos menos ricos (não pobres), ela foi incorporada, com naturalidade e sem preconceitos ao longo dos últimos duzentos e cinquenta anos, como uma espécie de manual para que cada peça do xadrez que compõe a sociedade saiba ao certo quais casas podem ser ocupadas nesse intricado tabuleiro da vida: rei é rei, rainha é rainha, bispo é bispo, peão é peão… De acordo com um amplo e preciso estudo acadêmico das universidades de York e Manchester, com a colaboração da London School of Economics, o tecido social do Reino Unido pode atualmente ser estratificado em sete estamentos sociais — e alguns deles penam um pouquinho mais (mas não muito, só um pouquinho mesmo) para ter o famoso livro em casa, mesmo agora que o seu preço está em promoção pela primeira vez na história: quatrocentas e cinco libras, ou seja, aproximadamente R$ 1.900,00. Sai caro na vaidade, sai caro no ego, sai caro no constrangimento de constatar que não se está no cume da pirâmide em termos de tradição.

Não é raro, ao se ingressar na sala principal de uma mansão inglesa, deparar com a obra aberta sobre uma mesa de canto. Aparentemente, ela parece que ali repousa de forma casual, mas vale, nesse sentido, o ditado de que as aparências enganam: os proprietários da casa deixaram, com certeza e intencionalmente, expostas as páginas que lhes interessam porque elas se remetem justamente à nobreza e aristocracia de suas próprias famílias. Afinal, existem regras de etiquetas a serem seguidas. Por exemplo: baronetes ganham precedência sobre cavaleiros, mas não em relação aos barões, e isso também consta do livro. O título de baronete, anota a obra, foi criado em 1611 pelo rei Jaime I, equivale ao de cavaleiro, com a diferença de que é hereditário. Os baronetes não possuíam o direito de integrar a Câmara e, portanto, pouca importância política herdaram.

Duas informações, em livros diferentes, podem também se cruzar em relação aos donos de tais imóveis onde a obra de ouro brilha. Abra-se o não menos famoso “Who Owns England” (“Quem são os proprietários da Inglaterra) e ver-se-á que a nobreza detém pelo menos 30% dos excelentes imóveis. Esses proprietários desfilam pelas páginas da bíblia aristocrática que vai abandonando a sua foma tradicional em papel impresso. Na Inglaterra, um título hereditário chega a custar dezesseis milhões de libras, algo em torno de R$ 73 milhões. Quem pode tê-lo é claro que o tem, como é o caso da nova geração da educada, refinada e culta família de duques de Westminster. Eles estão no rol dos mais ricos do mundo e o clã se fez dono de quase metade de Londres. São presença contante em “Peerage e Baronetage”, e seguirão a sê-lo. Não mais no papel, mas nas telas de celulares, tablets ou computadores.

Cada peça de xadrez tem de saber quais casas pode ocupar no tabuleiro da vida: rei é rei, rainha é rainha, bispo é bispo, peão é peão…