Especial – Brasil 400 mil mortos

Depois de falhar em impedir a criação da CPI da Covid, o governo Bolsonaro não para de acumular derrotas no comissão que vai colocar a limpo as suas omissões no combate à pandemia. É um vexame que mostra incompetência política e uma mal-disfarçada tentativa de interferir nos trabalhos do Congresso. Para começar, o mandatário não conseguiu influir na composição do colegiado, que é comandado por dois senadores críticos à sua gestão: o presidente Osmar Azis (PSD-AM) e o relator Renan Calheiros (MDB-AL), que está sedento por se vingar de ter perdido a presidência do Senado em 2019 por uma ação do presidente.

EM MINORIA Governo mostrou total descoordenação e conta com apenas três aliados 100% fiéis entre os 11 membros (Crédito:Edilson Rodrigues)

Com o início dos trabalhos, os governistas falharam em forçar a ampliação do escopo das investigações, ao sugerir a apuração da conduta de prefeitos e governadores. Tentaram então saturar a lista dos pedidos de investigação com requerimentos improdutivos e nomes de oponentes do presidente — o mesmo expediente que serviu para esvaziar a CPI das Fake News. Nas primeiras 48 horas, a CPI já acumula 288 pedidos de informação e de convocação. A estratégia virou mais um papelão. Ao analisar alguns documentos que originaram as requisições, senadores descobriram que foram preparados por uma funcionária do Planalto. Antes mesmo do começo dos trabalhos, membros do governo vazaram uma lista de 23 “acusações” preparada pela Casa Civil para municiar os ministérios, que deveriam elaborar linhas de defesa do governo na CPI. A peça acabou virando um roteiro informal de acusação para a comissão.

Com a linha de ataque completamente desarranjada, o governo precisou contar com a ajuda das milícias digitais. Senadores sofreram ataques coordenados nas redes sociais, que procuravam intimidar os responsáveis pelas investigações. Também foram preparados dossiês apócrifos contra algumas testemunhas, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Até o momento, todas as tentativas frustraram o governo e fortaleceram a oposição — inclusive na frente jurídica. O primeiro ensaio para ceifar Renan Calheiros da relatoria foi da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL), que conseguiu uma liminar nesse sentido de um juiz federal. O pedido foi reformado. Na última quinta-feira, o ministro Ricardo Leandowski, do STF, negou outra tentativa dos senadores Jorginho Mello (PL), Marcos Rogério (DEM) e Eduardo Girão (Podemos), os únicos membros 100% fiéis a Bolsonaro na CPI. Os sete integrantes independentes, ao contrário, já têm um roteiro preciso. Os primeiros pedidos aprovados incluíram um aplicativo da Saúde que recomendava cloroquina durante a crise em Manaus, a convocação dos ex-ministros da área (Eduardo Pazuello e Nelson Teich, além de Mandetta) e do atual titular, Marcelo Queiroga, além do presidente da Anvisa, tudo marcado para a próxima semana.

AQUECIMENTO Decano da CPI, o senador Otto Alencar concede entrevista antes da abertura da CPI no dia 27 (Crédito:Pedro França)

Aliados se afastam

Líder do Centrão e principal avalista do governo, o senador Ciro Nogueira reconheceu que votou em Aziz para a presidência da comissão, frustrando o presidente. Antigo aliado lulista, Nogueira também já começa a criar pontes com um eventual futuro governo petista, apesar de jurar que aposta todas as fichas na reeleição de Bolsonaro. Outro aliado do mandatário, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também já não tem o mesmo entusiasmo governista que exibia na sua eleição, há apenas três meses. Aí está mais um milagre que a CPI já começou a operar antes mesmo de seus primeiros depoimentos. Não terá o poder apenas de responsabilizar Bolsonaro e seus auxiliares. Poderá também trincar a frágil coalização governista e acelerar o fim de um governo que ignorou as necessidades do País na maior crise sanitária da história.

Colaborou Ricardo Chapola