Na Páscoa mais triste do século, em 2020, duas memórias ficaram marcadas na mente de bilhões de católicos em todo o mundo: a imagem do papa Francisco rezando sozinho na Praça São Pedro, e a voz de Andrea Bocelli cantando “Ave Maria” na catedral de Milão. O tenor italiano, vítima de um glaucoma congênito que o levou à cegueira ainda na infância, é hoje um artista bastante identificado com a Igreja. Bocelli foi convidado para interpretar “Gratia Plena”, canção tema do filme “Fátima — A História de um Milagre”, que estreia no País. Dirigido por Marco Pontecorvo, a produção conta a história de três jovens pastores que teriam testemunhado a aparição de Nossa Senhora do Rosário, em Portugal, em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. A seguir, a entrevista exclusiva do cantor à ISTOÉ.

“A minha formação é lírica, mas também transito pelo pop. Em vez de gêneros, prefiro distinguir entre música boa e ruim”

Cantar “Gratia Plena” no filme “Fátima” foi uma escolha artística ou espiritual?
A criatividade também é um dom e está intimamente ligada à espiritualidade. Os artistas têm uma grande responsabilidade na sociedade. Aceitei participar desse projeto porque percebi que havia a possibilidade de transmitir os valores cristãos em que minha vida é baseada.

O filme também fala sobre o amor pelas crianças. Qual é a maior lição que você gostaria de deixar para seus filhos?
Criei meus filhos seguindo os valores universais e sempre atuais que reencontro no Evangelho. Meus pais me educaram por meio do exemplo, tento fazer o mesmo com os meus filhos.

No início da carreira você cantou com o roqueiro Zucchero. Você gosta de rock?
Cada estilo musical tem seus pontos altos e seus “clássicos”. O rock para mim é divertido e interessante, mesmo sem estar dentro do meu estilo como intérprete ou, desde a juventude, como ouvinte. Zucchero é um amigo talentoso e sensível. O mundo está cheio de artistas criativos.

O que costuma ouvir em casa?
A minha formação é lírica, mas também transito pelo pop. Sigo os dois estilos com a maior honestidade e qualidade possíveis. Em vez de gêneros, prefiro distinguir entre música boa e ruim. Os ritmos latino-americanos são fascinantes. Chegam ao coração das pessoas em todo o mundo e influenciaram tanto o pop quanto o jazz.

O Festival de San Remo foi muito importante para a sua carreira. Como o compara com os reality shows atuais?
San Remo ainda tem muita audiência na TV. É verdade, porém, que desde a primeira vez em que subi naquele palco até hoje muita coisa mudou, tanto no show business como na comunicação. Fazer sucesso nunca é fácil, nem na minha época, nem hoje. Uma carreira artística é feita de muitos elementos, às vezes inexplicáveis. Os novos formatos, porém, representam oportunidades interessantes e estimulam a competição saudável.

TRILHA SONORA Cenas do filme “Fátima – A História de um Milagre: Andrea Bocelli canta a música tema, “Gratia Plena” (Crédito:Divulgação)

Você já cantou na Casa Branca e no Vaticano. Que mensagem daria hoje aos políticos e líderes poderosos?
Não ligo para política. Acredito que é fundamental ficar do lado do bem, cultivando a honestidade, o altruísmo e o respeito. Temos de dar nossa própria contribuição para melhorar o mundo, não importa se ela é grande ou pequena.

O que acha da música brasileira?
A música é parte fundamental do tecido cultural e social dessa grande nação que é o Brasil. Pessoalmente, devo muito ao repertório brasileiro. Desde jovem, amei, cantei e vivi essas melodias. Meu primeiro contato ocorreu quando tinha 20 anos e tocava piano em um bar. A música brasileira é a vida em estado puro. E a língua portuguesa é cúmplice, porque é muito musical, acolhedora, sensual. Em relação aos artistas, vou citar apenas os primeiros que vêm à mente: Caetano Veloso, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Elis Regina, Tom Jobim… são muitos.

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Você lançou uma autobiografia recentemente. Qual foi o momento mais incrível que gostou de recordar?
A vida foi generosa comigo. Entre minhas memórias mais queridas estão a infância. Além dela, penso no momento em que virei pai e no primeiro encontro com a minha esposa, Veronica.

A sua paixão pelo futebol é conhecida. Qual é o seu maior ídolo atualmente?
É um empate entre Cristiano Ronaldo e Messi. Messi tem mais técnica, mas Ronaldo é um atleta superior.

Você esteve no Brasil diversas vezes. Qual é a primeira lembrança que vem à sua mente quando pensa no País?
São muitas. Em 2009, cantei para uma multidão extraordinária no Parque da Independência, em São Paulo, uma cidade especial onde até quem vem do outro lado do mundo se sente em casa. No Brasil recebi manifestações de afeto comoventes e intensas. É por isso que tenho tanta gratidão e sinto saudade de uma terra para onde volto com grande prazer.