A cena era digna de um filme de Hollywood. Uma picape Nissan estacionada no caminho por onde passava um comboio de carros blindados, nos arredores de Teerã, passa despercebida. Os veículos levavam o cientista Mohsen Fakhrizadeh, responsável pelo programa nuclear iraniano. Mais adiante, uma rede elétrica é destruída por uma explosão e a segurança do físico se antecipa para checar o que aconteceu. Nesse meio de tempo, tiros são disparados por um poderoso fuzil militar montado na picape, aparentemente desocupada, atingindo em cheio o veículo onde estava Fakhrizadeh e sua mulher, atravessando a blindagem e matando o chefe da Organização de Pesquisa em Inovação do Ministério da Defesa do Irã. Minutos depois, a Nissan explode destruindo a arma que carregava.

Toda a ação não levou mais do que cinco minutos. Segundo a agência de notícias iraniana Fars, a arma da emboscada foi acionada por controle remoto. “O inimigo usou um método e técnica completamente novos, profissionais e especializados”, disse Ali Shamkhani, chefe do Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã. “A ação era muito complexa, usava aparelhos eletrônicos e ninguém estava presente no local”. A ação sofisticada sugeriu que a autoria é israelense. A PressTV, emissora de televisão estatal em língua inglesa, citando uma “fonte bem informada”, disse que “os restos da arma coletada no local do ataque terrorista traz o logotipo e especificações da indústria militar israelense”.

MÃO DE TRUMP Manifestantes contrários aos EUA e à Israel protestam no Irã contra a morte do físico responsável pelo programa nuclear (Crédito:Morteza Nikoubazl)

Encontro secreto

Outro indício de envolvimento de Israel é que a ação cinematográfica aconteceu exatamente após um encontro, não confirmado oficialmente, entre o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, o príncipe herdeiro saudita, Mohammed Bin Salman, e o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, no último dia 22 de novembro, na Arábia Saudita. Uma alta fonte oficial americana confirmou à rede CNN que Israel estaria por trás desse assassinato seletivo. Segundo especialistas, tudo faz parte de um jogo político posto em marcha há anos no Oriente Médio que visa a impedir o desenvolvimento de armas nucleares na nação persa. E pode ainda ser resultado de um plano de Donald Trump para evitar que o novo presidente americano, Joe Biden, retome o acordo nuclear com o Irã — um tratado celebrado pelo ex-presidente Barack Obama e rompido pelo atual mandatário.

A reação não demorou. O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khameini, disse que o assassinato não ficará sem resposta. Depois de enterrar Fakhrizadeh, em meio a protestos, o governo iraniano promete vingança e anunciou uma medida que retorna imediatamente o enriquecimento de urânio no País aos níveis de 20% que existiam antes do acordo nuclear de 2015, além de proibir o acesso de inspetores internacionais a suas instalações nucleares. O porta-voz do Parlamento iraniano, Mohammad Baqer Qalibaf, ex-comandante da Guarda Revolucionária, afirmou que essa nova lei manda para o Ocidente a mensagem de que “o jogo de mão única acabou”, referindo-se às sanções impostas por Trump. Com isso, o fantasma de uma bomba nuclear voltou a assombrar o Oriente Médio, pelo menos até a posse de Biden. Além de ser um dos mais renomados cientistas no país, Fakhrizadeh figurou entre as cinco personalidades iranianas na lista dos 500 indivíduos mais influentes do mundo, elaborada em 2013 pela revista Foreign Policy. Em maio de 2018, o nome do cientista, que tinha uma atuação discreta e raramente aparecia em fotos, foi mencionado pelo primeiro-ministro de Israel, que o acusou de dirigir o projeto de armamento nuclear iraniano.

Especialistas lembram que as ações contra a produção de armas na região tiveram início em 1981, com o ataque cirúrgico à usina nuclear de Sadam Husseim, no Iraque, seguida pela destruição de um reator sírio em 2007 — ambas as ações foram operadas por Israel. O caso do Irã, no entanto, é considerado diferente, porque eles nunca esconderam seu programa nuclear e até vendem essa imagem de poder. Para um especialista israelense, muitos países desenvolvem programas nucleares, mas o problema é quando um país que vive um regime ditatorial e tem ações beligerantes, financiando grupos terroristas, toma essa iniciativa. Antes de Fakhrizadeh, outros quatro cientistas nucleares iranianos foram mortos entre 2010 e 2012, entre eles Majid Shahriari. Na época, o Irã acusou Israel de estar por trás dos assassinatos. Fakhrizadeh foi enterrado, segunda-feira 30, ao lado do túmulo de Shahriari.

Ataque cirúrgico

A tensão voltou a crescer em janeiro com outro assassinato “high tech”, feito pelos EUA no Iraque com o uso de drones, que matou o general iraniano Qassem Soleimani. Trump usou essa iniciativa como um dos triunfos de sua política externa. Segundo o professor de Direito da FGV Salem Nasser, não há dúvidas de que há uma combinação entre Israel e EUA na última ação, já que aconteceu logo após um encontro sigiloso entre as duas nações, ambas aliadas dos sauditas. Para ele, essas ações cirúrgicas acabam tendo o efeito de evitar um conflito em larga escala. O professor da FGV concorda que o atentado também possa estar ligado à próxima mudança do governo nos EUA. Isso porque poderia obrigar o novo presidente Joe Biden a reagir, comprometendo seus planos internacionais antes mesmo dele iniciar seu mandato. “Talvez seja uma jogada para o futuro, já que o cenário vai mudar e eles ficarão de mãos amarradas”, diz. Tudo são especulações, que indicam novos movimentos no complicado jogo de forças no Oriente Médio.