Passa inverno, vem verão, e o crochê ataca novamente, agora pelas praias e piscinas do Brasil. E na saída delas, é claro, já que saias, shorts e vestidos, camisas, quimonos e calças feitos a partir da técnica trazem beleza e sofisticação ao visual descontraído. Apesar de parecer ter nascido para o verão brasileiro, são as semanas estrangeiras que trazem luz ao crochê na temporada nacional. “Quando um designer repete um elemento em seu desfile, ele quer dizer: preste atenção nisso”, diz Silvia Henz, consultora de imagem.

Ela dá como exemplo o desfile Verão 2024 da grife espanhola Loewe, que abusou dos casulos coloridos feitos com o processo manual. Com olhar apurado, marcas pequenas e grandes grupos aumentam a oferta nas vitrines, ao passo em que celebridades ajudam a consolidá-la.

Maisa, Bruna Marquezine, Jade Picon e Bianca Andrade são algumas delas, sendo que Anitta é a que mais desfila trajes aqui e acolá. “Embora as mulheres mais novas ajudem a popularizar o biquíni divertido de crochê, tops e acessórios coloridos também estão fazendo sucesso entre mulheres com mais de 50”, diz Henz.

O crochê é versátil e democrático em outras esferas, como ela lembra. “Você pode fazer uma calça hiper vazada, e até com uma linha mais barata, ou um vestido lindíssimo, com fio de seda. As peças vão dos R$ 30 aos R$ 3000.”

A moda do crochê está de volta – e na praia
Do mar à saída de praia: vestido com estampa chevron e top de biquíni cortininha Mumbai da marca Calzedonia (Crédito:Divulgação)

Ainda que a tendência alegórica — com personagens de desenhos animados, frutas e até folha de maconha estrelando os crochês praianos — tenha fim, o apreço pelo feito à mão veio para ficar.

Inclusive em oposição aos exageros. “Um robô no desfile da Schiaparelli e o uso da inteligência artificial na moda fazem com que as pessoas olhem para técnicas que têm mais sentimentalismo e exclusividade, e que respeitem o tempo de quem faz”, diz a estilista Paolla Muglia.

A opção pelo crochê ainda se conecta ao consumo consciente, já que as peças são para a vida toda, se bem cuidadas.
Os passos básicos para a durabilidade, segundo a especialista, são:
• Lavar à mão,
• não deixar de molho,
• secar a roupa apoiada em uma base e na sombra.

A moda do crochê está de volta – e na praia
Após a ditadura: o ex-deputado federal Fernando Gabeira e sua micro tanga se destacam entre banhistas cariocas, em 1979 (Crédito:calzedonia/divulgação)

Trama de memórias

• “O crochê faz parte de uma macrotendência, da valorização do trabalho artesanal”, diz Henz.

• A nostalgia também motiva consumidores e estilistas que cresceram rodeados de mulheres, em sua maioria, crochetando. “Minha avó era estilista autodidata, fazia crochê e macramê. Tenho uma tia que até hoje, nos encontros de família, está com um rolo de linha nas mãos”, diz Muglia. E uma agulha apenas, pois, diferente do tricô, o crochê é feito com ferramenta única, em processo todo manual.

• Os fornecedores das melhores grifes são de Inconfidentes, cidade mineira de quase 7.500 habitantes, que pode se tornar a Capital Nacional do Crochê. O projeto de lei aprovado no final de 2023 pela Comissão de Educação e Cultura depende agora da Câmara dos Deputados.

Política do corpo
Na volta do exílio, mas ainda em plena ditadura militar, o escritor Fernando Gabeira aderiu ao crochê

A moda do crochê está de volta – e na praia
Da Grécia ao Brasil: cantora Anitta abusa da diversão no visual, com cores vibrantes e desenhos de frutas e flores (Crédito:@anitta)

Menos pelo crochê, mais pelo exíguo tamanho da peça, a tanga lilás com que o ex-guerrilheiro Fernando Gabeira desfilou pelas praias cariocas em 1979 ficou marcada por chocar a esquerda conservadora.

O motivo de tamanha disrupção é que o jornalista voltou do exílio na Europa ainda em meio ao regime autoritário que terminaria seis anos mais tarde com ideais que superavam a abertura política: liberdades sexuais e o movimento ambiental que crescia no exterior.

“A política do corpo era uma ruptura com isso [as burocracias conservadoras], mostrando que o corpo era o espaço onde havia repressão e onde as coisas também aconteciam”, disse Gabeira há alguns anos.A moda do crochê está de volta – e na praia