A ministra Rosa Weber, 73, assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) somente em setembro, em substituição a Luiz Fux, mas a mudança já provoca calafrios no Palácio do Planalto. De perfil avesso às articulações políticas e mais dura em suas decisões, a magistrada promete ser uma pedra no sapato do presidente Jair Bolsonaro. Antecipando o que deverá ser o período em que estará à frente do tribunal, ela não tem dado trégua ao governo. Nas últimas semanas, tem tomado uma série de medidas confrontando posturas adotadas pelo capitão, que podem levá-lo a ter que responder a novas investigações, sobretudo por sua inação em relação à pandemia.

Luiz Fux, que será substituído por Rosa Weber, é considerado mais afeito ao diálogo do que sua sucessora (Crédito: Mateus Bonomi )

Foi o que aconteceu no início desta semana. A ministra enviou à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime para que Bolsonaro e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sejam investigados por prevaricação na demora para incluir as crianças de cinco a onze anos no programa de imunização contra a Covid. O crime de prevaricação se caracteriza quando um funcionário público deixa de cumprir atos exigidos pela função. No caso da vacinação das crianças, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso da vacina da Pfizer para o público infantil no dia 12 de dezembro, mas Bolsonaro e Queiroga retardaram o início da imunização. Somente no dia 15 de janeiro o Ministério da Saúde deu início à vacinação das crianças, com graves prejuízos para a infância.

A prevaricação do presidente

A notícia-crime também vai investigar porque o presidente passou a defender a exigência da prescrição médica para dar andamento à vacinação, o que o despacho da ministra considerou como procrastinação ao início da vacinação. Em meados do ano passado, a magistrada já havia determinado a abertura de outro inquérito para investigar as suspeitas de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin. Neste caso, Bolsonaro também é alvo por suposta prática de prevaricação. Na quarta-feira, 26, Rosa voltou a deixar os negacionistas do governo Bolsonaro em maus lençóis. Ela deu um prazo de cinco dias para que o secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Helio Angotti Neto, explique a nota técnica em que diz que a hidroxicloroquina é eficaz no tratamento da Covid e as vacinas, não. A ministra quer que o ministério abra um processo administrativo contra Angotti.

Indicada para o STF em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff (PT), Rosa Weber tem uma formação de centro-esquerda, ao contrário do atual presidente da Corte, considerado mais liberal e mais suscetível ao diálogo, ao contrário da futura presidente, que faz questão de mostrar-se inflexível às manobras governistas. No auge da CPI da Covid no Senado, Rosa negou que os governadores pudessem ser convocados a prestar depoimento na comissão como desejavam Bolsonaro e seus aliados no Congresso. Em junho, quando o empresário Carlos Wizard quis faltar à audiência da CPI, Rosa classificou de “fato gravíssimo” a existência do “gabinete paralelo” que havia sido criado pelo governo para comandar as ações de combate à pandemia e do qual o empresário era um dos seus integrantes.

Com Alexandre de Moraes no TSE e Rosa Weber no STF, Bolsonaro não terá vida fácil na Justiça (Crédito:Pedro Ladeira)

Do gabinete de Rosa surgiram outras decisões que incomodaram os aliados de Bolsonaro. A principal delas foi quando a futura presidente do STF interrompeu o pagamento das emendas de relator que compõem o chamado “orçamento secreto”. Estimadas em R$ 16 bilhões, as emendas de relator vinham distribuindo os recursos do Orçamento da União apenas para aliados do governo, com nítidos sinais de corrupção e superfaturamento, sem que os parlamentares pudessem ser identificados. A ministra também suspendeu os decretos de Bolsonaro que flexibilizaram o porte e a posse de armas no País. Como Rosa assumirá a presidência do STF às vésperas das eleições de outubro, nos bastidores do tribunal comenta-se que o presidente enfrentará uma Justiça mais contundente. Afinal, em agosto, o ministro Alexandre de Moraes, outro magistrado que tem jogado duro contra o governo e é responsável pela condução de cinco inquéritos contra o presidente, assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os dois não deixarão o menor espaço para Bolsonaro propagar denúncias falsas contra a segurança da votação nas urnas eletrônicas. Rosa ficará na presidência do STF até outubro de 2023, quando se aposentará. Ela será substituída pelo ministro Luiz Roberto Barroso. Os bolsonaristas não terão vida fácil na Justiça.