Quando Jair Bolsonaro acordou de sonhos perturbadores, percebeu que havia se transformado em um jacaré.

Alguns poderiam pensar que seu primeiro pensamento foi de desespero, de terror ou de descrença, mas não.
Comprometido com o bem do País, seu primeiro pensamento foi:

— Meu Deus… todo mundo vai saber que tomei a vacina!

Sim.

Havia tomado.

O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, preocupado com a saúde do amigo temia que uma segunda contaminação pudesse comprometer a performance do governo, que vinha tão bem.

Então teve uma reunião séria com o presidente, na véspera:

— Presidente, o senhor precisa se cuidar. Pelo bem da Nação.

Bolsonaro bateu continência num reflexo automático, quase um tique, que acontecia sempre que ouvia alguém dizer “Brasil” ou “Nação”.

Heleno prosseguiu, agora com argumentos científicos:

— O vírus é um bichinho comunista, presidente.

E a vacina nem é no bumbum. Não dói nada — o general fez uma pausa, aguardando uma reação.

— Não quero. — o presidente resmungou fazendo bico.

O general insistiu:

— Presidente, vai que o senhor pega Covid de novo e vira petista? Hein? Hein? ­— Heleno sabia que o argumento contundente. Mas o presidente é um grande negociador.

— O que ganho se eu tomar? — perguntou o mandatário.

Augusto Heleno jogou pesado:

— Se o senhor tomar, eu te dou aquela minha Glock com mira laser e grip customizado com a bandeira do Brasil.

O presidente bateu continência e topou.

— Mas ninguém pode saber, tá ok?

O general concordou.

Duas horas depois, presidente e general entraram no Drive-Thru do McDonald’s onde uma enfermeira aguardava com a seringa nas mãos.

— Querida, aproveita e pega um Nugget’s de dez para mim, tá ok?

Pronto.

Presidente vacinado, o general Augusto Heleno havia cumprido seu dever.

Na manhã seguinte, deu no que deu.

— Sabia que esse troço de vacina não ia dar certo!

— enraivecido, o presidente tentava escalar a pia do banheiro para se olhar no espelho.

Com o correr do dia, um domingo, a família foi descobrindo a metamorfose do líder da Nação.

Michelle foi a primeira.

— Amor, você mudou o cabelo? Tá diferente…

— Eu virei um jacaré, Michelle.

— Isso eu vi, né? Tá gato, amore!

E assim foi.

Cada um dos filhos zero à esquerda foram chegando para o churrasco encontrando o pai transformado em réptil.
Acostumados com suas idiossincrasias, nenhum deles estranhou.

Responsáveis e patriotas, o que preocupava Bolsonaro era se teria condições de continuar seu legado de conquistas, comandando o país e mantendo a estabilidade das instituições.

Concluíram que sim.

— O povo ama o senhor. Nada vai mudar isso. — disse um dos zeros.

— E as reeleições? O que vocês acham? — perguntou o presidente enquanto abocanhava uma peça inteira de picanha.

O general Augusto Heleno foi o responsável por convencer o presidente Jair Bolsonaro a se vacinar. Um dos argumentos: dizer que o coronavírus é um bichinho comunista

— Acho isso de virar jacaré um charme. Tipo de um diferencial — disse Michelle.

— Não vejo problema. Muitos animais já ganharam eleições. Teve o até o Incitatus, o cavalo do Calígula. — explicou Olavo, que participava do churrasco num call pelo tablet do Eduardo.

— E teve o Cacareco! — Augusto Heleno, tentando aliviar seu sentimento de culpa, lembrou do rinoceronte eleito vereador em São Paulo, em 1959.

Aos poucos o presidente foi se acalmando.

— Além do mais, se alguém falar alguma coisa, a gente põe a culpa na vacina — disse outro zero.

— Viva o presidente! Viva o Brasil — Heleno ergueu um brinde.

O presidente tentou bater continência.

Mas não conseguiu, com aqueles bracinhos curtos de jacaré.