Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório deu por si na cama transformado em Bolsonaro.

Gregório sempre foi um sujeito pacato. Taxista, palmeirense da Moóca.

Trabalha das 9 às 6 e todo fim de tarde para no bar do Silas.

– Depois de estacionar o carro, pois não dirijo depois de beber.

Gregório é casado com Aparecida, dona de casa.

Têm um casal de filhos, formados e casados.

Ele a chama de “meu bem” e ela de “meu amor”.

Nunca tiveram uma briga sequer, os filhos atestam.

No máximo, durante uma rusga, “Greguinho” e “Cida”.

Às vezes, de farra na frente dos outros, se chamam de “essa aí” e “esse aí”.

Em noites quentes sentam na rua, em cadeiras de praia.

Votaram no Collor, FHC, Lula e Dilma.

Votam no popular e pronto, não ligam para política.

Nessa eleição alguma coisa mudou.

– Essa aí diz que vai votar no Ciro Gomes. — apontando com o cigarro para a cadeira de praia vazia da mulher.

– Ele parece meu primo Alfredo, de Mongaguá. — ela explica para a manicure.

Gregório vai votar no Bolsonaro e não consegue aceitar o voto da mulher.

– Ciro? Sério, meu bem? — perguntou enquanto Cida colocava a camisola.

– Ele parece o Alfredinho, filho da tia Ursulina.

– Que cazzo de Alfredinho, Cida? Você não vê o Alfredinho há mais de 15 anos.

E virou de lado na cama, dramático.

Eleição se aproxima.

Cida irredutível.

Gregório, aos poucos, começou a perder a paciência.

Mais importante do que o próximo presidente era mudar o voto de sua mulher para restituir a harmonia do lar.

Tentou de tudo.

– Olha o nariz desse Ciro e olha o do Alfredinho, nada a ver, Aparecida! — balançando um jornal e uma foto velha do primo na cara da mulher.

– O jeito dos dois que é parecido, Gregório. Não é a cara.

No dia seguinte que Gregório acordou Bolsonaro.

Sentou à mesa da cozinha, mediu as costas da mulher com o olhar e, enquanto Cida passava o café, disparou:

– Cida, você precisa fazer um regiminho, hein? Deve estar pesando mais de sete arrobas.

Cida, chocada, sequer teve força para contestar.

Os dois ficaram em silêncio, ela com uma lágrima escorrendo no rosto e ele sem entender porque disse aquilo, inconsciente de sua transformação.

Foi assim o dia inteiro e nas semanas que se seguiram.

No táxi, a cada novo passageiro, Gregório que adorava contar piadas, agora só falava em tortura, fuzilamentos e recheava as conversas com frases politicamente incorretas.

Um passageiro gay ouviu que “faltou coro na infância”.

Para a filha do Silas, no caixa do bar, fez uma brincadeira sobre o pai ter “fraquejado”.

Os mais próximos estavam surpresos com a mudança de Gregório.

Mas Cida sabia que a razão era seu voto no Ciro.

Dividida, de um lado estava preocupada com o marido, de outro não achava certo ter que mudar seu voto para agradá-lo.

Foi no carro, indo votar, que Cida finalmente cedeu.

– Meu bem, você já reparou que o Bolsonaro parece o tio Guido, de Carapicuíba?

Gregório sentiu o amor preencher seu coração.

Os dois votaram em Bolsonaro, unidos, e o candidato foi eleito ainda no primeiro turno.

Infelizmente para Cida, não adiantou nada.

Com o tempo, Gregório só piorou.

Quando ele comprou um revólver, a mulher deu um basta.

Pediu o divórcio e foi morar em Mongaguá.

Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório deu por si na cama transformado em Bolsonaro