Tônia Carrero morreu.

E eu fiquei melancólica.

Lembrei de Carlos Heitor Cony: “nostalgia é saudade do que vivi, melancolia é saudade daquilo que não vivi”. Isso é puramente lacaniano: por que não vivi no tempo em que Tônia Carrero começou a brilhar, o que me bateu na alma foi mesmo melancolia.

Eu conheço a Rio de Janeiro de hoje, a cidade dos “microondas” dos traficantes; conheço a Rio de Janeiro dos blindados e dos coturnos de soldados que, rezo a Deus, consigam sair incólumes dessa incursão pelas favelas. Eu não vivi a Rio-de-Janeiro-anos-dourados, e é nela que estava Tônia, é nela que está fluída e intemporal a minha melancolia.

E minha melancolia caminha agora pela rua Ataulfo de Paiva… caminha e para e suspira e entra no Degrau, o ex-reduto da boemia…

Da mesa em que eu nunca estive, eu vejo Tônia, e com ela estão Vinicius de Moraes chamando-a de “Mariínha”, Rubem Braga chamando-a de “Maricota”, Paulo Mendes Campos não chamando ninguém de nada. Tônia fala e fala e fala, como sempre falou eufórica sobre as suas convicções artísticas, sociais, políticas e amorosas. Minha melancolia ouve Rubem Braga comentar que “essa mulher fala pelos cotovelos”, e Paulo Mendes Campos desperta: “e que cotovelos!”. Vinicius e Tônia cantam “Insensatez”… Rubem Braga põe as mãos nos joelhos de Tônia, e diz: “sinto muita amizade pelo teu joelho esquerdo”. E Tônia brilha como musa, mais ainda pela cultura e inteligência. E da minha mesa, mesa em que nunca estive, mesa que me flutua no ar e no tempo, mesa em que apoio os cotovelos e apoio o rosto nas mãos, dessa minha mesa suspensa no ar ouço Vinicius
se dilacerar: “quem me dera ser Moraes sem ser Vinicius”.

Tudo isso existiu. Não eu.

Escrever agora não alivia a saudade. Como eu queria ter vivido na Rio de Janeiro de Tônia!

A melancolia é saber que jamais voltarei a ter o que nunca tive, jamais voltarei a ter as noites nas quais, para Vinicius, o amor doía em paz. Hoje o amor nem dói porque hoje não se tem paz. A delicadeza virou chumbo perdido no corpo de menina pobre…!

Fez-se manhã no Degrau. A mesa em que nunca estive se levanta de mim (sim, é ela que se levanta de mim, não sou eu que me levanto da mesa), e parte… parte feito sombra que não é reflexo de nada nem de ninguém, sombra sem corpo para sombrear, não a sombra de Ovídio em “Metamorfoses” — mas sombra que é a melancolia de um Brasil que já foi (palavra estranha) feliz.

A mesa em que eu nunca estive se levanta de mim e parte — é a mesa que se levanta, e parte feito sombra que não é reflexo de nada nem de ninguém, sombra sem dono, não a sombra de Ovídio