Projeção do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV escancara, novamente, o retrocesso acelerado do país no governo de Jair Bolsonaro. Ele mostra que, ao fim deste ano, o índice de desconforto econômico dos brasileiros será o segundo maior da série histórica, atrás apenas da grave recessão que o Brasil experimentou entre 2002 e 2003. Àquela época, o indicador chegou a 128,3 pontos — e estará em 109,7 em dezembro.

A mensuração, baseada no índice americano Misery Index, elaborado nos anos 1970, é feita a partir das taxas de desemprego e da inflação desde os anos 1990. Hoje, quase 15 milhões de pessoas estão em busca de trabalho no Brasil e, enquanto isso, a inflação acumulada em 12 meses passará os 10% em breve. É um contexto que, como demonstra o estudo, pior do que as últimas crises que o país enfrentou, como a do impeachment de Dilma Rousseff e mesmo os impactos do estouro da bolha financeira americana, em 2008.

O que a projeção chama de “desconforto econômico” condensa, na verdade, uma série de experiências dramáticas que o país assiste, bestializado, como as vividas no passado. A cena de um homem recolhendo restos de carne em um caminhão, fotografada há uma semana no Rio de Janeiro, ilustraria bem o Brasil dos anos 1980 ou, mais perto, a vida nas periferias urbanas do fim da década seguinte. Da mesma forma, as notícias de pessoas queimadas e até mortas enquanto cozinhavam com lenha ou com álcool – devido à alta do gás de cozinha — nos levam de volta às manchetes de jornais dos anos 1960, quando boa parte da população não tinha sequer fogão em casa.

A expressão “desconforto econômico”, neste sentido, é até branda, já que precisa significar também uma série de outras realidades não tão extremas, como a perda de poder de compra das famílias de classes médias. Isso se vê, com força, no fato de sete em cada dez delas (74%) estarem endividadas hoje — e de um quarto dos domicílios estarem com as contas atrasadas. É sinal da deterioração do poder aquisitivo das famílias.

Vale dizer que o estudo da FGV calculou ainda o índice de desconforto em comparação a períodos muito mais sensíveis, como o da hiperinflação no começo dos anos 1990, e a chegada do Plano Real, em 1995, e descobriu que, em média, os brasileiros estão mais desconfortáveis hoje do que nesses dois momentos. Em outras palavras: não é apenas um retrocesso do ponto de vista material, mas é principalmente a sensação de saber estar andando para trás. A pergunta que fica, na verdade, é: quem está confortável economicamente hoje no Brasil, além do ministro Paulo Guedes, que mantém sua fortuna em paraísos fiscais?