Que o primeiro-ministro Boris Johnson quer a saída pura e simples do Reino Unido da União Europeia (UE) ninguém tem dúvidas. Afinal, ele simbolizou a campanha pelo Brexit e foi o principal nome na defesa de que os britânicos deixassem o bloco europeu no plebiscito realizado em junho de 2016, com a vitória do Brexit por 51,9% a 48,1%. O que os ingleses não estão aceitando é a maneira autoritária usada pelo primeiro-ministro para promover a saída da EU, mesmo com a ausência de um acordo. Como o prazo fatal para o Brexit é o dia 31 de outubro, e percebendo que os parlamentares britânicos desejavam negociar a saída com algum tipo de acordo, o conservador Johnson foi antidemocrático: exigiu que o Palácio de Westminster permaneça fechado depois da volta do recesso, impedindo que os membros do Parlamento tenham tempo suficiente para debater o assunto. E a Rainha Elizabeth II autorizou o pedido.

Pedir a suspensão das atividades do Parlamento — que os britânicos chamam de prorrogação — não é incomum no Reino Unido, mas esta é a primeira vez que Westminster ficará fechado por tanto tempo: 24 dias úteis, a começar entre os dias 9 e 12 de setembro, terminando no dia 14 de outubro. Em 2014, o Parlamento ficou fechado por 13 dias e, em 2016, por quatro dias. O período está sendo classificado como “recesso forçado”.

Ao justificar a medida, Boris Johnson disse ter receio de que os parlamentares impeçam a saída da União Europeia caso não se chegue a um acordo. “Não devemos esperar até depois do Brexit para continuarmos com os planos de levar o país adiante”, disse o primeiro-ministro, que assumiu o cargo em julho no lugar de Thereza May. Para o premiê, entre o dia 14 e 31, os parlamentares “terão tempo suficiente para debater a separação”, acrescentou.

Ataque à democracia

Embora a “prorrogação” esteja prevista na legislação, o primeiro-ministro foi bombardeado por todos os lados no Reino Unido, inclusive por aliados do Partido Conservador. O conservador Dominic Grieve chamou a iniciativa de “ato escandaloso”, enquanto o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, classificou a prorrogação como “um ultraje constitucional”. Para ele, “é óbvio que o objetivo da prorrogação é impedir o Parlamento de debater o Brexit e cumprir seu dever”.

As críticas mais fortes, contudo, vieram da oposição. O líder trabalhista Jeremy Corbyn disse que o plano de Johnson “é um escândalo e uma ameaça à democracia”. “Estou chocado pela imprudência do governo, que fala em soberania e, no entanto, busca suspender o Parlamento para evitar o escrutínio de seus planos para um Brexit sem acordo”, finalizou. O vice-líder trabalhista Tom Watson foi ao Twitter para reclamar: “É uma afronta escandalosa à nossa democracia”.

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Até o ex-primeiro ministro John Major fez coro com os críticos de Johnson e ameaçou usar os tribunais para tentar impedir que o premiê conservador concretize a suspensão do Parlamento. A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, pediu a união dos britânicos para impedir o recesso parlamentar como deseja Johnson. “Essa medida vai entrar para a História como um dia sombrio para a democracia britânica”, disse a escocesa. Também o líder do Partido Nacionalista Escocês, Ian Blackford, acusou Johnson de “agir como um ditador”, enquanto o líder dos Liberais Democratas, Jô Swinson, classificou a decisão como “perigosa e inaceitável”. Poucos saíram em defesa do primeiro-ministro, como o presidente do Partido Conservador, James Cleverly, que defendeu o projeto: “Todo novo governo faz isso”.

Caso os políticos não consigam reverter a medida, pois ela já teve o aval da Rainha Elizabeth II, o novo calendário de funcionamento do Parlamento estabelece que os congressistas voltem a Westminster nesta terça-feira 3, mas na segunda-feira seguinte todos estão em recesso novamente. O Parlamento só voltará a se reunir no dia 14 de outubro com o discurso da Rainha, que falará sobre os planos do governo. No dia 17 de outubro, os líderes da União Europeia realizarão a última cúpula com os britânicos antes do Brexit, previsto para acontecer no dia 31, faça chuva ou faça sol. Depois desse dia fatal, com ou sem acordo, o Reino Unido deixará a UE e o continente Europeu viverá uma nova realidade: a sétima maior economia do mundo não mais fará parte do Mercado Comum Europeu e os brasileiros que forem a Londres terão que comprar libras ao invés de euros. A expectativa agora é que a decisão britânica não estimule mais nenhum outro dos 27 países da UE a tomar a mesma postura, já que a solidez desse bloco é indispensável para o equilíbrio da geopolítica mundial.


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