HERÓI Delegado Antônio Celso dos Santos: quatro anos de perseguição (Crédito:Divulgação)

Mesmo em um país como o Brasil, com altos índices de criminalidade, há certos casos que se destacam e permanecem décadas no imaginário popular. Existem diversas explicações para isso, do impacto social ao grau de violência da operação. O roubo do Banco Central em Fortaleza, em 6 de agosto de 2005, entrou para a história por duas razões: o alto valor levado pelos ladrões e a complexidade com que o plano foi executado. No entanto, como sabemos, não existe crime perfeito – e esse não foi diferente.

A série documental 3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central, produzida pela Netflix, comprova essa tese. Revela também que o crime, inicialmente sem vítimas fatais ou sinais de agressividade, provocou mais tarde um cenário extremamente violento. Dirigida por Daniel Billio, a produção é dividida em três episódios: o primeiro narra o furto em si, com destaque para o planejamento surpreendente e a tecnologia empregada na construção de um túnel de 85 metros de comprimento. Com sistema de ventilação, iluminação e até uma linha telefônica, a obra ligava uma empresa de fachada criada pelos bandidos, com foco na venda de grama sintética – para que a quantidade de terra retirada do local não chamasse a atenção –, a um dos caixas-fortes do arranha-céu no centro da capital cearense.

TECNOLOGIA O túnel de 85 metros: sistema de ventilação e linha telefônica (Crédito:Jarbas Oliveira)

A série reúne entrevistas com diversos envolvidos no crime, inclusive um dos onze membros da quadrilha que elaborou o plano. Ele é o responsável por pelo menos duas frases que, em outro contexto, soariam até divertidas. A primeira delas: “E aí, vamos bater o recorde mundial?” – ele lembra ter dito isso ao resto do bando ao constatar a quantidade de dinheiro que havia no cofre. Foram mais de 300 pacotes com cerca de R$ 500 mil cada, um impressionante total de R$ 165 milhões. A segunda frase dele foi: “Me deu nojo de tanto dinheiro”, diante do volume absurdo de notas de R$ 50 – eles não levaram as notas de R$ 100, nem as sequenciais, para evitar que fossem rastreadas.

O segundo episódio exibe a investigação da Polícia Federal, liderada pelo delegado Antônio Celso dos Santos. O ponto de partida foi o reconhecimento do “estilo” do túnel, semelhante ao usado em uma fuga do presídio do Carandiru, em 2001, em São Paulo. A evidência trouxe a investigação para a capital paulista – mais tarde, foram descobertas vertentes em Belo Horizonte e Porto Alegre, além de Boa Viagem e Canoa Quebrada, pequenos municípios no Ceará. Além de reportagens da época, a série mostra as ramificações dos criminosos por meio de quadros animados com fotos e diagramas, no melhor estilo das diligências feitas pelo FBI nos filmes de Hollywood.

O terceiro e último episódio pode ser resumido em uma frase do delegado Santos: “eles tiveram coragem e talento para executar o crime, mas não planejaram o que fazer com tanto dinheiro”. Ao contrário do que imaginaram, as três toneladas de dinheiro tornaram-se um peso insustentável. A inevitável fama dos criminosos que participaram da ação não lhes trouxe apenas inimigos no mundo do crime, como atraiu policiais corruptos que passaram a extorqui-los. Entre as consequências, a série cita até os atentados cometidos pelo PCC em São Paulo, em 2006. Com a solução do crime e a prisão dos integrantes e de dezenas de comparsas, o maior assalto da história do Brasil ainda faz parte do imaginário popular brasileiro, mas como uma grande maldição.