Obsessivo, apaixonado e um pouco fetichista, Pedro Corrêa do Lago começou a colecionar manuscritos aos 11 anos. Quase meio século depois, parte de sua extraordinária coleção desembarca em Nova York.

Um documento do ano 1153 assinado por quatro papas medievais e um santo, a assinatura com impressão digital do cientista Stephen Hawking, uma carta de Mozart a seu pai e manuscritos dos escritores Marcel Proust e Jorge Luis Borges são alguns dos 140 itens de sua imensa coleção, que serão exibidos a partir de 1 de junho na Morgan Library, em Manhattan.

“Às vezes digo que eu deveria estar em uma camisa de força”, brinca o brasileiro, de 60 anos, que tomou a decisão de perseguir pelo mundo milhares de manuscritos das personalidades mais notáveis em seis áreas: ciência, artes, literatura, música, história e entretenimento.

Quando criança, começou a escrever para famosos. Centenas, como Chagall, Miró e o pianista Arthur Rubinstein lhe responderam. O primeiro foi o cineasta francês François Truffaut, que lhe enviou também o livro de seu filme “O garoto selvagem” autografado.

“Nunca pude dizer a ele, mas de alguma forma isso mudou a minha vida”, reflete.

“Esta atividade é impossível sem paixão, sem uma paixão que beira a obsessão, e uma certa dose de fetichismo”, afirma este colecionador e historiador de arte que vive entre São Paulo e Rio de Janeiro.

“Porque quando você admira alguém e tem uma carta dessa pessoa, está segurando um pedaço de sua vida em suas mãos, é o contato mais direto que você pode ter com essa pessoa”, explica. “É como se vocês fosse um segundo destinatário das cartas, como se estivesse escrita um pouco para você também”.

A exposição, que poderá ser vista até 16 de setembro, é intitulada “A magia da caligrafia”, uma frase encontrada em uma carta de outro colecionador de manuscritos, o escritor austríaco Stefan Zweig, ao poeta Rainer Maria Rilke.

– Um imenso prazer –

Corrêa do Lago guarda em sua casa de São Paulo mais de 100.000 manuscritos em um quarto no térreo, dentro de 20 arquivos alemães que pesam meia tonelada cada.

Ele assegura que sua paixão lhe forneceu imensos prazeres durante 50 anos, como quando encontrou, em uma livraria de Lisboa, vários manuscritos do filho de Mahatma Gandhi, incluindo uma “fabulosa” carta de seu pai, que comprou por cerca de cinco dólares. Ou quando encontrou um desenho de Michelangelo que não havia sido identificado em um lote de 300 documentos comprados em um leilão.

Não tem preferidos, mas adora uma carta do pintor Vincent Van Gogh escrita para o dono de seu albergue em Arles cerca de três meses antes de seu suicídio.

“Ao explicar quais coisas quer levar a Paris e com que coisas podem ficar, faz uma espécie de inventário de seu dormitório. E não de qualquer dormitório, mas o mais famoso da pintura ocidental; todos o temos em nossa retina”, explica.

Outro documento que destaca é uma fatura escrita por Sigmund Freud, que diz: “20 horas, 20.000 xelins”. “Isso é um resumo da psicanálise!”, diz.

Ele prefere não discutir o valor de sua coleção, mas estima que alguns de seus manuscritos “andam pelos seis dígitos”.

Corrêa do Lago, que cresceu em uma família de diplomatas, insiste em que fez sua coleção sem possuir uma grande fortuna, e que teve que trabalhar mais do que queria para bancar seu excêntrico passatempo.

“Tudo que ganhava gastava em minha coleção”, diz Corrêa do Lago, que trabalhou como representante da Sotheby’s no Brasil durante 26 anos.

“Algumas coisas subiram de valor. Por outras paguei demais. Mas ao final o que importa não é seu valor, o que me importa é o prazer que me dão”.