No início do século 20, tramas misteriosas de autores britânicos como Sir Arthur Conan Doyle e Agatha Christie valorizavam nomes da estirpe de Sherlock Holmes e Hercule Poirot – detetives que defendiam a lei em casos intrincados que apenas seus cérebros geniais eram capazes de solucionar. Nos anos 1950, do outro lado do Atlântico, uma autora americana passou a subverter essa literatura de suspense ao apresentar como protagonista de sua obra um homem oposto a tudo isso: Tom Ripley, um psicopata cruel, assassino tão charmoso quanto perigoso. O que foi ainda pior, no entanto, é que os leitores se apaixonaram por ele.

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ADORÁVEL PSICOPATA “O Talentoso Ripley” e “Ripley Subterrâneo” trazem o vilão charmoso e cruel por quem os leitores são apaixonados desde os anos 1950

Sua criadora, Patricia Highsmith, era uma mulher estranha: lésbica que odiava mulheres, misógina e preconceituosa. Criava caramujos como animais de estimação – e os levava na bolsa quando comparecia a festas. À frente da máquina de escrever, porém, suas obsessões ganhavam vida em personagens complexos e antimaniqueístas, prováveis versões de quem ela teria sido se não houvesse leis no mundo fora das páginas.

Em 2021, comemora-se o seu centenário. A editora Intrínseca relança sua coleção, começando por “Em Águas Profundas”. Na sequência, dois títulos que ganharam populares adaptações cinematográficas: “O Talentoso Ripley” e “Ripley Subterrâneo”. Ele é o anti-herói por quem acabamos torcendo, mesmo diante de toda a sua crueldade – isso era inédito antes de Patricia Highsmith. A americana criou um estilo tão inovador que é considerada “a mãe do thriller”, suspense psicológico que hoje vende milhões de cópias e tem entre seus expoentes nomes como Harlan Coben e Gillian Flynn, cujas obras estão junto às mais adaptadas para o cinema. O trabalho de Highsmith também ganhou as telas inúmeras vezes, não só com as tramas de Ripley, mas desde o seu livro de estreia: “Pacto Sinistro” foi publicado em 1950 e transformado em filme no ano seguinte – por ninguém menos que Alfred Hitchcock.

TALENTOSO Matt Damon como Ripley nas telas: a plateia torce pelo vilão (Crédito:Divulgação)

A morte da autora, em 1995, aos 74 anos, revelou que sua mente era ainda mais sombria do que se imaginava: oito mil páginas de diários foram encontradas em sua casa, na cidade suíça de Ticino. “Assassinato é como fazer amor: uma forma de possuir o outro”, diz ela, em um trecho. Apesar de contraditório, uma de suas obras mais famosas narra um relacionamento – sem mortes nem sangue – entre duas mulheres. “Carol”, cuja versão para o cinema traz Cate Blanchett e Rooney Mara, foi assinado por Claire Morgan. Temendo a “má fama” que a história de amor poderia lhe trazer, Patricia Highsmith preferiu escrever sob um pseudônimo.