Para quem tem olhos de ver, o funcionamento da organização política brasileira desde o governo Lula segue para lá de lamentável. Num retrospecto sucinto, tivemos o Mensalão, o aparelhamento da Petrobras — e a corrupção desenfreada que disso adveio —, as trapalhadas fiscais e econômicas de Dilma e, agora, a mediocridade do governo Bolsonaro, do qual o comando do ministro Paulo Guedes é a exceção que confirma a regra.

Só um observador desavisado ou muito ignorante dirá que o rosário de desastres é obra do acaso. É evidente que tudo isso decorre da própria estrutura, quero dizer, de distorções e defeitos que temos debatido desde o restabelecimento do regime civil. Nesses quase 35 anos, fomos pateticamente incapazes de diagnosticar adequadamente os problemas que nos afligem. Refiro-me aqui à magna questão da reforma política, que cedo ou tarde teremos de enfrentar. O ponto a que chegamos não comporta dúvidas a esse respeito.

Sem uma visão de conjunto, ou seja, sem um referencial adequado, voltamos quase todo ano à questão, tratando-a em “fatias” em teses louváveis, mas com poucos efeitos práticos e, não raro, com resultados contraditórios. Dou um exemplo. Há pouco tempo decidimos proibir coligações nas eleições proporcionais — ou seja, legislativas —, com o objetivo de restringir a proliferação de siglas irrelevantes. Mas, ao mesmo tempo, instituímos o Fundo Partidário, que provê recursos para todas as agremiações reconhecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso inclui até partidos recém-criados e que ainda não disputaram eleição alguma. Ora, salta aos olhos que o salutar efeito restritivo pretendido com a proibição de coligações é amplamente anulado pela distribuição irrestrita de recursos financeiros. Mal comparando, equivale a atirar uma peça de dez quilos de filé mignon num rio cheio de piranhas.

Outro exemplo. Vivemos angustiados com a necessidade de renovar e melhorar a qualidade dos nossos corpos legislativos. Mas como chegar a isso, se as candidaturas só são facultadas aos que estiverem inscritos há pelo menos um ano em algum dos partidos existentes. Só que estas agremiações são praticamente oligárquicas, ou seja, ferreamente controladas por seus respectivos círculos dirigentes. Uma saída possível, que deveria ser adotada já para as eleições de 2020, seria admitir candidaturas independentes, objetivo que poderia ser alcançado por meio de um projeto de iniciativa popular de legislação.

De que adianta proibir coligações nas eleições legislativas para evitar as siglas de aluguel, se também barramos candidatos independentes, impedindo qualquer renovação

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