25/02/2022 - 9:30
Alice casou com o Helinho, de Barcelona, cheio de charme.
Tudo de bom os dois, ele do mercado financeiro, ela corretora premium.
Viajaram o mundo. Bali. Ibiza. Mikonos.
Desses casais que só se divertem. Bem espanhol ele.
Nenhum dos dois lembra bem quando decidiram ficar juntos para sempre.
– Teve aquele ritual na Indonésia… mas foi mais pela festa. — Lembra Alice.
Nas doideiras que aprontavam, as vezes rolava uma maconha, sempre de uma fonte especial.
– Essa é peruana. Mira que frutada… — ele descrevia a cannabis como um sommelier.
Foi assim uns belos sete anos.
Aí vieram os filhos. Primeiro a Valentina, depois o Juan Cruz.
Naturalmente, tiraram um pouco do espirito de aventura dos pais.
Precisavam mudar de vida, Alice convenceu Helinho.
Mudaram da Vila Madalena para a Vila Nova Conceição, naqueles prediões que tem segurança embaixo de guarda-sol.
O Isay decorou a cobertura pessoalmente.
Eram amigos de muitos anos, desde o Vietnam.
Quem te viu e quem te vê, Alice e Helinho.
Os dois agora viviam com os filhos num apartamento careta.
No máximo uma festinha mais agitada no aniversário do Helinho.
Valentina e Juan Cruz iam dormir na avó, mãe da Alice.
E as viagens agora eram para a Disney.
Só o baseadinho continuava como antes, que era sagrado para o Helinho.
Umas três vezes por semana, depois das crianças dormirem, o casal se sentava na varanda gourmet, debaixo das estrelas e fumavam unzinho, só de farra.
Foi o Helinho que pegou essa mania.
Quando enrolava os baseados, jogava o que sobrava no jardim da varanda.
Só que marijuana é uma praga.
Em pouco tempo, não precisavam mais comprar maconha, porque a produção doméstica dava conta do recado.
E ficou bonito aquele toque selvagem.
Com o tempo, o Helinho foi refinando a sepa.
Passava para um ou outro amigo que sempre elogiava a qualidade, muito na miúda, claro.
Alice avisou que aquele negócio de ter um jardim de maconha ainda daria problema.
– E o jardineiro, Helinho? Já pensou? Vem aí o fulano arrumar as plantas e dá de cara com essa…sei lá…Colombia que você inventou…
– Por Dios, Alice! Ninguém sabe que é maconha.
A Jurema lava essa varanda há anos e nunca reparou.
Mentira. Jurema, mesmo evangélica, estava cansada de saber que aquilo era maconha. Mas fingia que não sabia, porque não era da conta dela.
O tempo passou.
Até que, um dia, Juanito passou para o quarto ano do Ensino Fundamental.
As aulas de Ciências daquele período, a professora explicou no primeiro dia, seriam de Botânica.
Construtivista, pediu para os alunos trazerem plantas de verdade, com raiz, na quarta-feira seguinte, para fazerem um jardim.
Juan Cruz, que a mãe dizia que só não perdia a cabeça porque estava colada no pescoço, esqueceu, é claro.
Na casa do Helinho o uso da erva estava liberado
Só foi lembrar porque, enquanto tomavam café da manhã, começaram a pipocar fotos de plantas no grupo de WhatsApp da classe.
Enquanto estavam todos tomando café, o garoto pegou sua mochila e saiu de fininho até a varanda para colher algumas plantas.
Quando o diretor da escola chamou a Alice e o Helinho, deu o maior esporro.
O casal explicou que Juan Cruz pegou aquilo no jardim do prédio, que imagina só que coisa.
O diretor fingiu acreditar, mas o garoto já tinha entregado a produção dos pais.
Ficou só na reprimenda.
Mas quando Alice saiu da sala, o diretor piscou para o Helinho fez um beicinho, cerrou os olhos e um sinal de positivo com a cabeça como quem diz “muito boa, viu?”.
Daquele dia em diante, Juan Cruz às vezes levava um embrulho que o pai prepara especialmente para o diretor.
Sabe como é, só pelas dúvidas.