Alice casou com o Helinho, de Barcelona, cheio de charme.

Tudo de bom os dois, ele do mercado financeiro, ela corretora premium.

Viajaram o mundo. Bali. Ibiza. Mikonos.

Desses casais que só se divertem. Bem espanhol ele.

Nenhum dos dois lembra bem quando decidiram ficar juntos para sempre.

– Teve aquele ritual na Indonésia… mas foi mais pela festa. — Lembra Alice.

Nas doideiras que aprontavam, as vezes rolava uma maconha, sempre de uma fonte especial.

– Essa é peruana. Mira que frutada… — ele descrevia a cannabis como um sommelier.
Foi assim uns belos sete anos.

Aí vieram os filhos. Primeiro a Valentina, depois o Juan Cruz.

Naturalmente, tiraram um pouco do espirito de aventura dos pais.

Precisavam mudar de vida, Alice convenceu Helinho.

Mudaram da Vila Madalena para a Vila Nova Conceição, naqueles prediões que tem segurança embaixo de guarda-sol.

O Isay decorou a cobertura pessoalmente.

Eram amigos de muitos anos, desde o Vietnam.

Quem te viu e quem te vê, Alice e Helinho.

Os dois agora viviam com os filhos num apartamento careta.

No máximo uma festinha mais agitada no aniversário do Helinho.

Valentina e Juan Cruz iam dormir na avó, mãe da Alice.

E as viagens agora eram para a Disney.

Só o baseadinho continuava como antes, que era sagrado para o Helinho.

Umas três vezes por semana, depois das crianças dormirem, o casal se sentava na varanda gourmet, debaixo das estrelas e fumavam unzinho, só de farra.

Foi o Helinho que pegou essa mania.

Quando enrolava os baseados, jogava o que sobrava no jardim da varanda.

Só que marijuana é uma praga.

Em pouco tempo, não precisavam mais comprar maconha, porque a produção doméstica dava conta do recado.

E ficou bonito aquele toque selvagem.

Com o tempo, o Helinho foi refinando a sepa.

Passava para um ou outro amigo que sempre elogiava a qualidade, muito na miúda, claro.

Alice avisou que aquele negócio de ter um jardim de maconha ainda daria problema.
– E o jardineiro, Helinho? Já pensou? Vem aí o fulano arrumar as plantas e dá de cara com essa…sei lá…Colombia que você inventou…

– Por Dios, Alice! Ninguém sabe que é maconha.

A Jurema lava essa varanda há anos e nunca reparou.

Mentira. Jurema, mesmo evangélica, estava cansada de saber que aquilo era maconha. Mas fingia que não sabia, porque não era da conta dela.

O tempo passou.

Até que, um dia, Juanito passou para o quarto ano do Ensino Fundamental.

As aulas de Ciências daquele período, a professora explicou no primeiro dia, seriam de Botânica.

Construtivista, pediu para os alunos trazerem plantas de verdade, com raiz, na quarta-feira seguinte, para fazerem um jardim.

Juan Cruz, que a mãe dizia que só não perdia a cabeça porque estava colada no pescoço, esqueceu, é claro.

Na casa do Helinho o uso da erva estava liberado

Só foi lembrar porque, enquanto tomavam café da manhã, começaram a pipocar fotos de plantas no grupo de WhatsApp da classe.

Enquanto estavam todos tomando café, o garoto pegou sua mochila e saiu de fininho até a varanda para colher algumas plantas.

Quando o diretor da escola chamou a Alice e o Helinho, deu o maior esporro.

O casal explicou que Juan Cruz pegou aquilo no jardim do prédio, que imagina só que coisa.

O diretor fingiu acreditar, mas o garoto já tinha entregado a produção dos pais.
Ficou só na reprimenda.

Mas quando Alice saiu da sala, o diretor piscou para o Helinho fez um beicinho, cerrou os olhos e um sinal de positivo com a cabeça como quem diz “muito boa, viu?”.

Daquele dia em diante, Juan Cruz às vezes levava um embrulho que o pai prepara especialmente para o diretor.

Sabe como é, só pelas dúvidas.