Quase meio século depois da morte de Francisco Franco, em 1975, um juiz espanhol tomou pela primeira vez, nesta sexta-feira (15), o depoimento de uma vítima de tortura durante uma das ditaduras mais longas do século XX na Europa.

Confira a seguir, uma retrospectiva dessas quatro décadas da história da Espanha.

– Guerra Civil –

Franco é um dos principais conspiradores do levante militar de julho de 1936 contra a Segunda República, liderada naquele momento pela Frente Popular de esquerda.

Com o apoio de Adolf Hitler – os bombardeiros alemães serão cruciais para destruir a cidade basca de Guernica, no massacre imortalizado logo depois no famoso quadro homônimo de Picasso – e Benito Mussolini -, o “generalíssimo” vence a Guerra Civil em 1939.

Antes da vitória franquista, foram três anos um conflito brutal que deixou centenas de milhares de mortos.

Com o título de Caudilho, Franco dirige um país em ruínas. Evita participar da Segunda Guerra Mundial, mas sua simpatia pelas potências do Eixo o leva ao ostracismo propiciado pelos vencedores da guerra até que, com a entrada da Espanha na ONU, em 1955, começa o fim do isolamento.

– Repressão feroz –

Em seus primeiros cinco anos no poder, Franco manda executar dezenas de milhares de republicanos, cujos corpos são enterrados em valas comuns. Estima-se que a Guerra Civil e os anos posteriores tenham deixado cerca de 114.000 desaparecidos, segundo números citados pelo atual chefe de Governo, o socialista Pedro Sánchez.

Além disso, meio milhão de pessoas partem para o exílio e seus bens são confiscados.

O regime persegue especialmente comunistas e maçons, de acordo com uma lei de 1940.

O franquismo, que tem na Igreja Católica um dos seus principais pilares, recebe o apoio dos grandes latifundiários e da burguesia industrial e financeira. Em suas origens, o regime também se beneficia da repulsa de muitos espanhóis pelos crimes contra religiosos cometidos pelos republicanos durante a guerra.

– Bebês roubados –

Na repressão que se seguiu ao conflito, também se estabelece um tráfico para subtrair recém-nascidos de opositoras acusadas de transmitir-lhes o “gene” do marxismo.

Com a cumplicidade do clero em muitas ocasiões, os bebês eram separados das mães após o parto e eles eram declarados mortos para depois serem adotados por casais estéreis, preferencialmente próximos ao regime.

A partir da década de 1950, esse tráfico começou a se estender a crianças nascidas fora do casamento e a famílias pobres ou muito numerosas.

Milhares de bebês, segundo associações, poderiam ter sido roubados durante a ditadura, já que não havia nenhuma lei espanhola que regulasse as adoções até 1987.

– Anistia –

Franco morreu em 20 de novembro de 1975 após uma longa agonia.

Designado seu sucessor desde 1969, Juan Carlos é proclamado rei dois dias depois e inicia um período de transição para a democracia que inclui a convocação de eleições em 1977 e a aprovação da Constituição em 1978.

Durante este período delicado, quase todas as forças políticas aprovam, em 1977, uma lei de anistia que perdoou o crimes cometidos pelos opositores políticos, mas também os praticados por agentes da ordem pública.

As tentativas posteriores da Justiça de investigar esses crimes serão freadas dessa forma na Espanha, deixando abertas as feridas da ditadura.

– Memória –

Em 2007, no entanto, a adoção da lei de Memória Histórica, impulsionada pela esquerda, começará a reabilitar as vítimas do regime franquista com um primeiro texto que será ampliado em 2022, quando outro governo socialista conseguiu aprovar uma lei de Memória Democrática, apesar das críticas da direita.

Além de se encarregar em nível estatal da busca pelos desaparecidos, a nova norma anula as sentenças proferidas pela Justiça franquista contra os republicanos ou a comunidade homossexual, e reconhece pela primeira vez como vítimas do regime os bebês “roubados”, além de prever a criação de uma procuradoria especial.

Em junho de 2023, têm início os trabalhos para exumar as vítimas enterradas no monumental mausoléu onde jaziam os restos mortais de Franco até que o governo Sánchez conseguiu seu traslado, em 2019, para um cemitério mais discreto perto de Madri.

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