Foi em 2018 que os caminhoneiros paralisaram o Brasil com uma greve surpresa. Por causa disso, a oscilação no preço dos combustíveis foi bastante discutida nos meses seguintes – os meses que antecederam a eleição presidencial.

Em meio ao debate, surgiram duas propostas que permitiriam evitar mudanças bruscas de preço, sem que fosse necessário interferir na gestão da Petrobras.

Numa delas, criava-se um fundo cujos recursos seriam usados para impedir que aumentos do combustível tivessem de ser imediatamente repassados ao consumidor final. Na outra, instituía-se um imposto com alíquota variável, que subiria quando o combustível estivesse mais barato e cairia na situação inversa, provocando uma equalização dos preços ao longo do tempo.

Não se chegou a discutir em detalhes a implantação de qualquer uma das propostas. Mas lá estavam elas, à disposição do futuro presidente, ambas indicando um remédio estrutural para uma moléstia que, todos sabiam, não iria desaparecer.

Bolsonaro venceu as eleições com apoio dos caminhoneiros. Poderia ter pedido a um estagiário de Paulo Guedes para ver onde levariam aquelas duas ideias: se eram viáveis, quanto custariam, qual prazo e qual negociação política demandariam para ser implementadas. Mas ele não fez nada disso.

Bolsonaro não fez nada porque tinha suas próprias convicções. Primeiro, que o ICMS sobre os combustíveis, cobrado pelos Estados, é um “estupro”. Segundo, que a Petrobras lucra demais com os combustíveis. Terceiro, que os lucros e os investimentos da Petrobras podem ser substancialmente reduzidos, pois eles só se tornam indispensáveis num contexto de  exploração intensiva do pré-sal – algo que Bolsonaro considera uma burrada, pois, diz ele, a matriz energética do mundo está mudando.

Suponho que o pessoal que hoje lamenta a “guinada Intervencionista” de Bolsonaro tenha lido essas declarações na época, assim como eu. Estão no Google, de qualquer maneira. Mas eles fizeram de conta que era mentirinha, ou escolheram acreditar que, com Paulo Guedes no Ministério da Economia, tudo estaria a salvo.

No começo de 2019, quando houve nova ameaça de paralisação nas estradas, Bolsonaro tirou do bolso do colete a ideia de coagir os Estados a reduzir o ICMS dos combustíveis. A seco, a medida é inviável, pois bagunça as contas estaduais, que já estão em frangalhos em diversos casos. A população poderia abastecer o carro, mas trafegaria por vias esburacadas e não teria nem escola nem posto de saúde onde estacionar. O presidente, contudo, é indiferente a fatos desse tipo: só lhe interessa empurrar o problema para os governadores.

Agora, em 2021, a história se repete. Bolsonaro quer de novo forçar a mudança no ICMS. Mas decidiu atacar ao mesmo tempo aquela que considera ser a segunda raiz do problema: a própria Petrobras, e seu desejo injustificável de ter boa saúde financeira. E lá se foi o presidente da estatal pela janela.

Esses raciocínios todos são tão simplórios, tão bisonhos, tão calcados naquelas certezas inabaláveis de quem não sabe do que está falando, que chega a dar uma mistura esquisita de preguiça com desespero.

Parece que há gente no entorno de Bolsonaro falando agora na criação de um fundo de equalização dos preços dos combustíveis. Duvido que consigam capturar a atenção do homem. Politicamente, fazer o certo não é tão divertido quanto pintar os governadores e os “capitalistas” da direção da Petrobras como vilões, e cerrar fileiras com os caminhoneiros, que já demonstraram ter a receita para fechar o país.

Talvez um processo da CVM ou dos acionistas minoritários da petrolífera, que estão vendo o seu valor de mercado derreter, tenha algum efeito. Para lidar com Bolsonaro, é preciso ter um fuzil, mesmo que metafórico, apontado na direção dele. Essa é a linguagem que ele entende.