31/01/2020 - 10:46
Um mês depois do atentado contra a sede da produtora de vídeos humorísticos Porta dos Fundos, Gregório Duvivier disse em entrevista exclusiva à AFP que ficou “com vontade ainda maior de lutar” após o episódio e que sua liberdade era “inegociável”.
Na madrugada de 24 de dezembro, a sede da produtora na zona sul do Rio de Janeiro, foi atacada com coquetéis molotov.
O Porta dos Fundos tinha sido alvo de várias críticas, principalmente de grupos religiosos e movimentos conservadores, por conta de “A primeira tentação de Cristo”, especial de Natal para a Netflix no qual Duvivier interpreta um Jesus Gay.
Pergunta: Qual foi sua reação quando soube do atentado?
Resposta: “Foi algo muito esquisito, foi no próprio Natal, dia que era para estarmos celebrando em família. Fiquei, claro, muito assustado porque a imagem é assustadora mesmo. O vigia que estava lá sofreu sério risco de ter morrido. Nesse momento, você se diz: talvez seja o momento de sair do país. Estão tentando colocar fogo na minha empresa. Por outro lado, também dá aquela vontade ainda maior de lutar”.
P: Você se sente ameaçado?
R: “As ameaças são constantes, e não vêm apenas de pessoas anônimas. Há inclusive congressistas que falam, no Congresso… Tem sujeito berrando: a justiça não se faz só no céu, se faz também na Terra… São ameaças veladas, não ameaças de morte. Se chegar um momento em que eu sentir de fato que as ameaças são serias e algo pode acontecer, vou sair daqui, não faz sentido. O momento já está bastante inconfortável, estou só ando com segurança e carro blindado, por decisão da Viacom (acionista majoritária do Porta dos Fundos). É uma coisa constrangedora, cerceia a liberdade, mas por outro lado se estão propiciando isso pra gente, temos que aproveitar essa estrutura de proteção”.
P: Você acha que falar de religião no Brasil virou assunto tabu?
R: “Acho que não existe tema tabu. Nossa liberdade é inegociável. Não dá para negociar com terrorista. A gente já imaginou Jesus de todas as formas possíveis, acho que inclusive gay, mas o que mudou foi o pais, não foi a gente. Esse mesmo especial de Natal, se tivesse sido lançado há um ou dois anos, não teria tido nada disso. Mas estou com a impressão de que, nesse caso, a maioria está com a gente. Na internet, não param de chegar inscritos e o canal está mais forte que nunca. Essa onda conservadora barulhenta sabe tacar coquetel molotov, tacar fogo, gritar, mas não é majoritária, é uma minoria barulhenta”.
P: O que mais incomoda você no governo Bolsonaro?
R: “O que me preocupa é a erosão da democracia, nossa democracia é muito recente. Isso se vê em todas a áreas, inclusive a cultura. Todos esses filmes que foram premiados no ano passado em Cannes (‘Bacurau’, vencedor prêmio do júri, e ‘A vida invisível’, filme que conta com Duvivier no elenco, vencedor do prêmio Um Certo Olhar) foram feitos com incentivos fiscais, graças a uma politica que demorou 30 anos para ser implementada. Essa política já foi para o ralo. Já desmontou tudo, já não existe”.
“Outra coisa que me preocupa é o meio ambiente. O Brasil tinha criado uma estrutura para inibir o desmatamento, controlar ele, com Ibama, Inpe. Isso já foi por água abaixo. Ele exonerou o presidente do Inpe por divulgar a realidade. O grande inimigo dele é a realidade. O que mais me preocupa com isso é que é um ponto que não dá mais para voltar. De todos os absurdos que ele fala, talvez esse seja o mais sério, porque não tem volta. Não tem outro planeta pra gente se mudar”.
P: Como foi seu contato com o hacker que forneceu o material utilizado pelo Intercept Brasil para a “Vaza-Jato”?
“O Hacker é totalmente louco, me procurou depois de procurar Manuela D’Avila (que confirmou ter repassado o material ao The Intercept), depois me procurou, falou que adorava o Greg News. Me mandou coisas que não tinham muita relevância então nem usei, nem publiquei. Achei interessante falar com o cara que desmascarou tudo, mas fui vendo que ele era bem louco e parei de falar com ele”.
P: Você não acha que o fato de ser visto como um humorista de esquerda acaba limitando um pouco o alcance de público?
R: “Se eu não falasse de política, eu estaria mentindo para mim mesmo. Em termos financeiros, é horrível falar de política. As marcas não se interessam por quem fala de política. É proporcional a quantidade de publicidade que um ator faz ao silêncio dele em relação às causas políticas. Mas esse cálculo, ao mesmo tempo, é muito nocivo. Para mim, todo artista é um ativista”.
P: O Greg News tem um viés muito didático. Você acha que tem condição de convencer pessoas de direita?
“A gente o tempo inteiro se confronta com essa questão: será que a gente está falando só para o convertido? Não tenho dúvida de que nosso público é majoritariamente convertido. A grande maioria que vê o Greg News e me tolera é gente de esquerda. Não tenho essa ilusão de achar que nosso público é meio a meio ou diverso. Ao mesmo tempo, o programa tem varias funções.
Primeiro alimentar os convertidos de humor. Nosso campo da esquerda precisa de humor, que é um lugar que reconforte ele. Tem a função de ser um cobertor quente para quem está sozinho nesse país louco. Outro aspecto é dar munição aos convertidos para converter outros. Embora o pai reacionário não vá ficar na HBO para me assistir, a pessoa vai mandar e o afeto rompe barreiras”.
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