DANIELA BORGES – OAB BAHIA Mãe e professora, a advogada garante que vai tentar em sua gestao abrir espaço para mulheres em áreas predominantemente masculinas (Crédito:João Soares)

As palmas das mãos batiam freneticamente, mas a mente e os olhos da advogada Cláudia Prudêncio estavam focados no telão do auditório da sede da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB/SC). Dali sairia o nome do próximo presidente da Instituição. Enquanto fechava os olhos apreensiva e rezava para Nossa Senhora Aparecida, de quem é extremamente devota, um filme de mais de duas décadas de carreira dedicado ao Direito começou a passar pela sua cabeça. Desde que entrou na ordem como conselheira estadual, foi membro da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Corregedora do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) e secretária-geral adjunta. Mais recentemente foi a segunda mulher, em 73 anos, a presidir a Caixa de Assistência dos Advogados de Santa Catarina (CAASC). Pensou em quando era a única sentada na mesa de um bar bebendo com uma dúzia de homens engravatados, pois só assim ela podia participar das mesas de decisão e ter voz na categoria. “Sempre fui uma mulher de posição firme, que sabia me impor e falar o que penso”, explica Cláudia, que a partir de janeiro de 2022 vai presidir não só os engravatados, mas todas as mulheres, negros, e o público LGBTQIA+ que trabalham nas 51 subseções de Santa Catarina.

Cláudia não foi a única a comemorar. Pela primeira vez em mais de 90 anos as seccionais da OAB de outros três estados serão presididas por mulheres. São eles: Paraná, que terá a direção de Marilena Winter, Bahia, cuja chapa vencedora é formada por Daniela Borges e Christianne Gurgel, e a maior seccional do Brasil, São Paulo, nas mãos de Patrícia Vanzolini. O Mato Grosso também elegeu uma mulher, a doutora Gisela Cardoso, mas ela é a segunda mulher a ocupar o cargo máximo da instituição no estado — a primeira foi a atual presidente do Tribunal de Justiça do MT, Maria Helena Póvoas, entre 1993 e 1997. Os cinco estados podem se mostrar tímidos, em um primeiro momento, mas se levar-se em conta que até o ano passado todas as 27 seccionais eram presididas por homens, e que em nove décadas de OAB apenas 10 mulheres já presidiram uma seccional da ordem, os cinco territórios conquistados este ano não são apenas uma quebra de paradigma, mas o inicio da paridade de gêneros entre homens e mulheres dentro da maior e mais tradicional instituição de direito do país. Juntas, essas cinco mulheres serão responsáveis por representar cerca de 43% da advocacia de todo o Brasil. “Nosso desejo é que este seja um novo caminho. Que no próximo triênio mais mulheres se juntem a nós, e que elas saibam que elas não só podem, como devem, ocupar cada vez mais esses espaços”, afirma Marilena Winter, presidente eleita da OAB/PR.

CLÁUDIA PRUDÊNCIO OAB SANTA CATARINA Com mais de 20 anos de carreira, a presidente eleita da OAB/SC diz que a equidade salarial entre homens e mulheres ainda é um problema a ser enfrentado (Crédito:Márcio Lima)

O resultado histórico obtido na eleição deste ano é retrato de décadas de luta feminina no âmbito do Direito. Desde antes da constituição de 1988 quando mulheres eram proibidas de trabalhar das 22h às 5h, passando pela criação da OAB em 1930 em que mulheres não tinham direito sequer de voto, até chegar em 2016 com a instituição do Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada, que, por lei, obriga a participação de pelo menos 30% de mulheres em todas as comissões da Ordem. “As mulheres nunca acompanharam a ordem como fazem hoje. Até 2015, tínhamos apenas 16% das mulheres que ocupavam cargos de gestão”, afirma a presidente eleita da OAB/MT, Gisela Cardoso. Em 2020, pouco antes da pandemia, as mulheres conseguiram uma das reivindicações mais importantes da história: a paridade de gênero apresentada durante a Conferência Nacional da Mulher Advogada. Aprovada por votação acirrada pelo Colégio de Presidentes da OAB — constituído até então só por homens — ficou definido que as mulheres teriam que representar 50% das pessoas em chapas eleitorais a partir daquele ano. “O resultado mostra que a ordem caminha junto com a evolução da sociedade. Na maioria dos estados, já temos mais mulheres advogadas do que homens”, diz Daniela Borges, presidente eleita da OAB/BA. “Temos pouco mais de 1,2 milhões de advogados no país e 620 mil são mulheres. Ou seja, já somos a maioria.”

Apesar do veredicto eleitoral histórico, os conflitos de gênero na advocacia no Brasil estão longe de ter casos encerrados. Em conversa com a ISTOÉ, as cinco presidentes eleitas listaram os principais problemas enfrentados por mulheres no direito. Além do abismo salarial — a advogada mulher ganha cerca de 60 a 70% do salário do homem — e das piadas sexistas que as mulheres ainda são obrigadas a ouvir, as eleitas afirmam que não há apoio para advogadas gestantes que acabam enxergando o momento como algo prejudicial à carreira. Além disso, falta representação feminina em algumas áreas do Direito – como o o empresarial, tributário e internacional. “Já me perguntaram com quem eu deixava minhas filhas enquanto trabalho. Quando eu falo que estão com o pai delas, eles o elogiam por ser tão parceiro. Nunca vi um homem ser indagado com quem eles deixam os filhos”, diz Patrícia Vanzolini, presidente-eleita da OAB/SP escancarando o machismo estrutural dentro da OAB e o famoso teto de vidro que as mulheres tentam por anos romper. As leis aprovadas e o resultado da eleição histórica mostram que a primeira pedra para destruí-lo foi finalmente arremessada.