RAINHA DE COPAS A paixão por xadrez levou Lucy Raposo a abrir uma das primeiras casas de jogos de tabuleiro do Brasil (Crédito:Wanezza Soares)

Vozes alteradas, cadeiras arrastadas de forma brusca, gritarias, dedos em riste apontando para o rosto de outra pessoa. A cena parece ser prelúdio para uma grande batalha, até que um dos possíveis guerreiros vocifera: “é o Simba do Rei Leão, seu burro”, e cai na gargalhada, seguido por outros jovens que batem palmas, bebem drinques sem álcool e comem lanches em volta de uma grande távola de madeira quadrada. A imagem poderia fazer parte das grandes séries medievais do streaming, o ambiente do local permite isso, mas, na verdade, a turma animada e competitiva, está no século XXI, no centro de São Paulo, mais precisamente, na Bela Vista, dentro do bar Ludus Luderia, espaço especializado em jogos de tabuleiro.

Fundado em 2007, o bar foi pioneiro em misturar o ambiente de uma casa noturna com deliciosos petiscos, como: batata frita, polenta, hambúrgueres e drinques (alcoólicos e sem álcool). O local conta com mais de 1300 jogos de tabuleiros, passando pelos mais antigos como Genius, aos mais tradicionais como Monopoly, War, Jogo da Vida, Uno, até os mais novos, como Pandemic e Cash and Guns. No início, a taverna tinha esse objetivo de levar os encontros dos Geeks, ou antigos Nerds, para fora de casa, mas hoje, principalmente depois da pandemia, a casa de jogos tem percebido um aumento no número de famílias e, principalmente, mulheres. “Em 2007, 90% eram homens, agora 58% das pessoas que frequentam o bar são mulheres. Tomamos conta”, brinca Lucy Raposo, proprietária da Ludus Luderia.

CONEXÃO O objetivo do Carcassonne Pub é criar ligações emocionais, afetivas, e desligar as pessoas de seus aparelhos eletrônicos (Crédito: RUY BARON)

Nerd, daquelas que usavam óculos fundo de garrafa, Lucy não podia correr na quadra nos intervalos da escola por ter bronquite. Queria ficar com os outros garotos que jogavam xadrez, mas eles não a deixavam participar por ser uma garota. Ela cresceu, se formou, aprendeu a jogar xadrez e outros jogos de tabuleiro. No antigo trabalho, conheceu uma turma que também eram viciados no mesmo hobby. Começaram a se encontrar uma vez por mês em um salão de festas alugado para jogar. Enquanto preparava drinques para os amigos ela pensava: porque não fazer um bar onde esses jovens que geralmente não saem de sábado à noite, pudessem ir justamente para jogar. Deu certo. Com 15 anos de atuação, a Ludus, que abre de quinta à domingo, tem fila de espera quase todos os dias de funcionamento. “Geralmente, a gente se reúne em casa para jogar, mas é muito mais gostoso e divertido poder sair para fazer essas coisas. Ainda mais depois de ficar tanto tempo preso dentro de casa. É um lugar descontraído que podemos comemorar com os amigos e com a família”, diz Daniel da Cunha, 32, cliente assíduo do local.

Outro bar que está fazendo sucesso é o Carcassonne Pub, em Brasília. A ideia surgiu depois que o casal Fábio Almeida Lopes, 43, e Salimar Nunes, 38, foram viajar para a Europa e observaram que os bares e restaurantes de lá tinham alternativas de distrair os clientes, como livros. Ambos, que são apaixonados por jogos de tabuleiro, decidiram unir a profissão de Salimar, gastronomia, com o amor pelo hobby e criaram um bar, cuja principal distração seriam os jogos de tabuleiro. “Nós queriamos um lugar de conexões. Sejam familiares, em que você pode brincar e dar boas risadas com diferentes gerações de sua família, e a conexão offline, ou seja, sem celular, mas isso é algo natural. Quando os clientes chegam e começam a jogar, elas se concentram, focam no jogo, olham no olho da outra pessoa, recriam uma conexão com ela e esquecem da vida fora do pub”, diz Fábio Lopes.

Ele conta que antes de abrir o Carcassonne, foi visitar o Ludus Luderia em São Paulo e acabou se espelhando em algumas ações. A mais importante, que os dois bares listam como essenciais para o negócio funcionar, é a profissão criada por eles: Monitores de jogos. Geralmente são pessoas universitárias, ou clientes assíduos dos bares, que necessariamente precisam ser apaixonados por jogos, terem boa didática, falar bem em público, não ter vergonha e ter uma memória absurda para aprender e entender mais de 1.000 jogos. São eles que recebem os clientes na mesa e são responsáveis por “ler” aquela turma específica. Se gostam de jogos de suspense, estratégia, algo mais rápido, dinâmico, demorado, reflexivo. Eles são um tipo de sommelier de jogos que escolhem e definem o melhor tipo de tabuleiro para jogar. Porém, não é fácil trabalhar nos bares. O processo seletivo é semelhante ao de uma grande empresa. E com a febre dos jogos, a concorrência por uma vaga nesses bares, seja para trabalhar ou se divertir, não para de crescer.