Dizem que o sonho de todo jornalista é ter o seu próprio jornal. Uma publicação que não dependa da venda de publicidade ou de uma boa gestão administrativa, mas apenas do talento de seus colaboradores. Essa utopia midiática, quem diria, tornou-se realidade no Brasil: essa é a história de O Pasquim, veículo criado por um grupo de boêmios cariocas que revolucionou a imprensa brasileira e teve uma função que foi muito além da publicação de notícias.

22 anos O jornal foi publicado entre junho de 1969 e novembro de 1991

 

CAOS Uma das turmas do Pasquim: talento jornalístico, inexperiência administrativa (Crédito:Divulgação)

Os bastidores de sua ascensão e queda estão no livro Rato de Redação – Sig e a História do Pasquim, do gaúcho Márcio Pinheiro. Segundo o autor, o sucesso do periódico era fruto da qualidade do texto e da força das opiniões de seus criadores, embora fosse impossível relegar a segundo plano o impacto da linguagem irreverente e o inovador projeto gráfico. “Foi um sucesso inesperado. Nunca imaginariam que a tiragem, em poucos meses, saltaria de 10 mil para mais de 200 mil exemplares. Acho que nem eles acreditaram”, afirma Pinheiro. E complementa: “Foi algo único. O Pasquim nunca existiria hoje.”

Era realmente um momento singular na história do Brasil. A primeira edição chegou às bancas em 26 de junho de 1969, cinco anos após a usurpação do poder pelos militares. Com artistas exilados e a censura imposta aos grandes jornais, parecia um momento bastante inapropriado para o lançamento de um novo veículo de imprensa, ainda mais com viés político de esquerda e capitaneado por uma turma sem a menor vocação para a disciplina corporativa. Os “subversivos” eram um time de peso: Millôr Fernandes, Tarso de Castro, Luiz Carlos Maciel, Sérgio Augusto, Jaguar, Paulo Francis, Flávio Rangel, Henfil, Fortuna, Ivan Lessa e Ziraldo, entre outros. Representavam a nata da efervescente cultura brasileira da época.

140 mil exemplares foram vendidos da edição que estampava Leila Diniz na capa

 

LANÇAMENTO “Rato de Redação”
Sig e a História do Pasquim
Editora Matrix | 190 págs.
Preço: R$ 44 (Crédito:Divulgação)

Em junho de 1970, exatamente um ano após o seu lançamento, a censura prévia chegava ao Pasquim (o título passou então a ser escrito sem o artigo “O”). Poucos meses depois, em novembro, a situação piorou – os jornalistas começaram a ser presos pelo regime militar. Como não podia noticiar as detenções, o semanal publicava que a culpa era de uma “gripe” que se espalhara pela redação. Alguns leitores podem até ter acreditado, mas os colegas da classe artística sabiam a verdade e foram solidários: Chico Buarque, Antonio Callado, Carlos Heitor Cony, Rubem Braga e Fernando Sabino se colocaram à disposição, oferecendo-se para colaborar.

18 a 30 anos 70% dos leitores estavam nessa faixa etária

O Pasquim também era original do ponto de vista conceitual: um noticioso sem notícias. Não havia editorias fixas, nem reportagens. Os textos e as ilustrações traziam apenas as opiniões e ideias que os colaboradores queriam expressar, sem uma hierarquia factual nem qualquer organização tradicional presente nos outros órgãos da imprensa. Em resumo, era um caos, mas esse posicionamento anárquico falava diretamente com o público jovem – 70% dos seus leitores estavam na faixa entre 18 e 30 anos. Em relação a formatos, a turma logo descobriu o que se tornaria um dos seus carros-chefe: as entrevistas. A mais famosa, que levou à venda de 140 mil exemplares, foi com Leila Diniz. Em uma conversa sem papas na língua, a atriz falou abertamente sobre sexo fora do casamento. O que hoje pode parecer uma bobagem, na época foi uma revolução. O livro Rato de Redação revela o segredo por trás de tantas entrevistas bombásticas: a coragem e a inteligência, aliada à informalidade.

Apesar da pouca experiência administrativa, pode-se dizer que o Pasquim teve uma vida longa: foram 22 anos. Houve ainda muitas disputas internas, que culminaram com a dispersão da equipe. A maior delas foi entre Tarso de Castro e Millôr Fernandes – o cartunista venceu a batalha e assumiu o jornal para si. Nos anos 1980, sob a gestão de Jaguar e Ziraldo, a liderança ficou ainda mais pulverizada. A última edição foi publicada em novembro de 1991, embora o Pasquim já tivesse perdido a relevância anos antes. O que importa é que ele ficará carinhosamente eternizado como um marco na imprensa brasileira. Afinal, convenhamos: era um sonho bom demais para durar para sempre.