Microsoft, Shopify, mais recentemente Amazon, não fazem segredo: IA possibilitará cortes profundos em seus quadros. Políticos e até o papa advertem para riscos à sociedade – enquanto economistas estão mais otimistas.O diretor executivo da Amazon, Andy Jassy, anunciou que a companhia reduzirá sua força de trabalho, à medida que a inteligência artificial (IA) vai substituindo os funcionários humanos, acrescentando que a tecnologia afetará um grande número de empregos e setores.
Diversas outras firmas têm expedido advertências semelhantes. Em maio, o presidente da startup de IA Anthropic comentou ao website de notícias Axios que, dentro de um a cinco anos, essa tecnologia talvez elimine a metade de todas as vagas para iniciantes em setores não manuais.
Desde 2022, as empresas públicas dos Estados Unidos reduziram seu pessoal de escritório em 3,5%, e um quinto das companhias cotadas no S&P 500 encolheram, informou o periódico Wall Street Journal, citando o serviço Live Data Technologies. Nos últimos anos, grandes firmas como Microsoft, Hewlett Packard e Procter & Gamble têm anunciado milhares de demissões.
A plataforma de vendas online Shopify explicou recentemente que suas equipes que solicitem pessoal adicional terão antes provar que a IA não é capaz de executar as tarefas em questão. E a firma do aplicativo de aprendizagem de idiomas Duolingo planeja substituir gradualmente seus empregados externos por inteligência artificial.
Faca de dois gumes
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que um quarto dos postos de trabalho em todo o mundo enfrentam grave risco de se tornar obsoleto devido à IA.
Contudo também há expectativas de que ela vá criar novas oportunidades e aumentar a produtividade. Segundo uma previsão do Fórum Econômico Mundial, divulgado no início de 2025, a reviravolta tecnológica poderá eliminar 92 milhões de empregos existentes até o ano 2030, mas, ao mesmo tempo, também criar 170 milhões de novos postos.
O maior impacto seria para as economias desenvolvidas, com 60% dos empregos afetados, segundo análise de 2024 do Fundo Monetário Internacional (FMI) – a metade deles de modo negativo, a outra, positivamente.
Já nas economias emergentes, 40% das vagas sentiriam os efeitos da IA, e, nos países de baixa renda, 26%. Por outro lado, apesar de afetados em menor escala, esses mercados também se beneficiariam menos do aumento de produtividade que prometem as novas tecnologias.
Nos avanços tecnológicos passados, os mais prejudicados foram os empregados menos qualificados e trabalhadores manuais, como os operários de fábricas substituídos por robôs. Porém agora a expectativa é de que a adoção ampla da IA vá atingir os empregados de nível educacional mais alto, nas tarefas de escritório, sobretudo onde o desempenho dos algoritmos seja comparável ou melhor do que o humano.
Um estudo do think tank Pew Research Center revelou que, entre as mais ameaçadas, estão as ocupações envolvendo coleta de informações e análise de dados, como programação de websites, textos técnicos, contabilidade e inserção de dados (data entry).
Entre os mais resistentes, em contrapartida, estariam os empregos envolvendo trabalho manual intenso, mais difíceis de automatizar, como operário de construção, cuidador infantil ou bombeiro.
Otimismo de economista
A possibilidade de desemprego em massa colocou em foco os efeitos desagregadores da IA sobre o mundo profissional e a sociedade, atraindo a atenção de políticos e até de líderes religiosos. O papa Leão 14, que assumiu o pontificado em maio, já alertou para os riscos da inteligência artificial para a subsistência e dignidade humanas.
Por sua vez, o especialista em mercado de trabalho Enzo Weber, do Instituto de Pesquisa sobre o Trabalho (IAB) alemão, sediado em Nurembergue, argumenta que tais apreensões não procedem: para ele, os atuais progressos tecnológicos abririam uma ampla gama de possibilidades econômicas, mais provavelmente ajudando os trabalhadores do que causando desemprego em massa.
"A IA primariamente transforma o trabalho, mas não o elimina fundamentalmente", afirma: na maioria dos casos, ela assistiria os humanos para "desenvolverem novas tarefas e executá-las melhor, ao invés de substituí-los".
Um estudo publicado em janeiro de 2025 defende um ponto de vista semelhante: a automação de tarefas no trabalho "não reduz necessariamente a ocupação", podendo até resultar em "ganhos de postos em alguns setores" da economia.
"Em princípio, poder automatizar uma tarefa antes laboriosa pode tornar os trabalhadores tão mais produtivos, que o output adicional compensa o fato de que parte de seu trabalho agora é feito por uma máquina", afirmam os economistas David Deming, Christopher Ong e Lawrence H. Summers, da Universidade de Harvard.
Reconhecendo que o impacto da IA provavelmente será "abrangente e duradouro", eles ressalvam que "a história nos ensina que, mesmo que a IA desestabilize o mercado de trabalho, seu impacto se desdobrará ao longo de muitas décadas".
Cooperar com o progresso – ou tornar-se obsoleto
É difícil determinar qual o real impacto de longo prazo das tecnologias de inteligência artificial sobre os mercados de trabalho globais, uma vez que ela ainda está em seus estágios iniciais.
A eficácia de diversas ferramentas de IA também dependerá de uma boa integração nos locais de trabalho, assim como da disposição e capacidade dos funcionários de empregá-las. Se eles se recusarem a utilizá-las integralmente, temendo por seus postos, isso poderá comprometer o aumento de produtividade que a nova tecnologia promete.
O especialista alemão em mercado de trabalho Weber urge as empresas e os funcionários a se adaptarem ao panorama tecnológico em mutação e a aproveitarem as oportunidades. Para ele, a IA é um "game changer": "Ela apresenta oportunidades, mas elas precisam ser agarradas. É essencial mais desenvolvimento e treinamento ativo dos funcionários. Não só para acompanhar o passo, mas para avançar o máximo possível."