Há uma evidente e indiscutível dificuldade desse governo em entender as prioridades do País e isso ficou ainda mais claro no calamitoso desastre da falta de plano — e de interesse mesmo — para vacinar a população. O mundo deu início à operação. Os imunizantes estão com suas pesquisas concluídas — quase todos — e com doses prontas para serem usadas. Países, em seguidas escalas de mobilização, anunciam e adotam todas as medidas para vacinar, nos próximos dias ou semanas. Alguns já começaram. No Ministério da Saúde brasileiro reinam o caos e a desinformação. Nem seringas foram compradas. Comunicados aleatórios protelam aquilo que é urgente. Em um momento se fala em março para disponibilização da vacina. Em outro, o general Eduardo Pazuello alega precisar de 60 dias a partir da aprovação pela Anvisa. Com o detalhe de que somente um terço dos brasileiros serão imunizados em 2021. Artimanhas procrastinatórias surgem de todos os lados. O presidente Bolsonaro, em pessoa, indaga sobre o porquê da pressa. Seria mesmo necessário dar a ele essa resposta? Como assim? As mortes no Brasil se contam às centenas a cada dia. Quase 180 mil pessoas já partiram e outras milhares devem perder a vida nessa dramática luta contra o vírus. Cada minuto importa.

Laboratórios estão solicitando autorizações de emergência das organizações globais de saúde para uma resposta rápida. Autoridades se mobilizam nesse sentido. EUA, Europa, Ásia, todos estão dando a largada. O presidente Bolsonaro prefere priorizar o corte de tarifas de importação para armas. Que mandatário é esse? Sua gestão representa, claramente, um perigo à vida. Qual exatamente a razão disso tudo? O governador de São Paulo, João Doria, que lidera uma louvável cruzada para responder o mais agilmente possível ao problema, comprou, estocou e já tem prontas as doses para vacinar os paulistas no dia seguinte ao aval das agências reguladoras. Comunicou publicamente o início desse monumental trabalho a partir de 25 de janeiro. Criou a logística necessária e organizou o sistema de Saúde para esse fim. Vale registrar: o Estado abraçou a vacina do Butantan — um instituto de pesquisas brasileiro destacado entre os melhores do mundo —, que desenvolveu a Coronavac juntamente com o laboratório chinês Sinovac. O imunizante apresentou, já na fase três, o mais alto grau de eficácia dentre todos os avaliados, com índice de 97%. O Butantan diz ser capaz, desde já, de produzir a Coronavac às milhares, para atender todo o País. Mas o presidente Bolsonaro, novamente, na sua tática de politizar toda e qualquer questão que vise ao bem estar geral, orientou a pasta da Saúde a ignorar essa alternativa. Apelou para outra, produzida em Oxford, com desenvolvimento mais atrasado e gastou, de maneira antecipada, antes mesmo de qualquer aval de organizações sanitárias, bilhões de reais para encomendar seu lote. A estupidez nas diretrizes federais salta aos olhos. Imprudência misturada a descaso prevalecem no comportamento negacionista do mandatário que, desde sempre, viu a pandemia como uma “gripezinha”, afrontou as medidas recomendadas de isolamento e tripudiou sobre a Nação que governa, classificando-a como um “País de maricas” por se preocupar com tamanho drama. A Anvisa, sob seu comando, foi aparelhada por generais, deixou de lado a reputação técnica que sempre a acompanhou e voltou-se para a politização nas aprovações dos imunizantes. Tentou, descaradamente, atrasar os testes da Coronavac. Lançou sobre ela desconfianças desde o início, logo incorporadas também pelo inquilino do Planalto. Trata-se — e demonstra isso a cada dia — de um líder cruel, insensível, que se empenha em questiúnculas laterais enquanto deixa seus governados entregues à própria sorte, sem amparo.

Um presidente que faz abertamente campanha contra vacina, propagandeando que não vai tomá-la, avisando que ninguém o culpe se tudo der errado, se tiver efeito colateral, é, essencialmente, um irresponsável que agride a ciência e a lógica da evolução social. As vacinas estão sendo produzidas e têm ficado prontas para uso em tempo recorde, por meio dos melhores laboratórios farmacêuticos do planeta. Um feito da humanidade a garantir a mais antológica vitória contra um mal dessa magnitude, que já ceifou milhares de vidas em menos de um ano. Ir contra essa mobilização é um crime típico de genocidas. No Brasil, governadores, o Congresso, o Supremo Tribunal, todos os poderes — à exceção do Executivo — se organizaram no sentido de garantir um caminho rápido até a vacina. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, planeja votar uma MP que dê acesso global para compra nos próximos dias. Segundo ele, o Legislativo definirá um plano de vacinação contra a Covid, com ou sem o governo. Por absoluta inabilidade, é o Estado ficando a reboque das necessidades vitais do País. O parlamentar Maia alerta que logo a população pode entrar em pânico sem a cobertura vacinal e que o presidente está de fato perdendo o controle do assunto. A própria reunião de governadores com o ministro da Saúde para cobrar providências, dias atrás, foi uma demonstração cabal de que o cerco se fecha. Bolsonaro está como cego em tiroteio em um campo minado e a única coisa que lhe interessa é se armar — com revólveres de verdade — para uma batalha fantasiosa e pessoal. Não com vacinas.