Os convivas e interlocutores mais próximos estão preocupados. Nos derradeiros dias no Planalto, demonstrando ter perdido sinapses elementares de conexão com a realidade, o presidente Bolsonaro parece ter mergulhado de cabeça em um mundo paralelo. Como se estivesse em transe, criou a própria narrativa para os acontecimentos que o cercam. Acredita piamente em uma reviravolta a seu favor, que ocorreria em breve — tipo para já, de preferência antes da posse do seu opositor, o demiurgo de Garanhuns, Lula. Bolsonaro não tolera sequer ser contrariado nessa crença e entrou em estágio de imobilismo pleno. Não faz mais nada e não pensa em outra coisa. Dá sinais de um estado depressivo crônico que o leva a chorar copiosamente a qualquer momento, na frente de qualquer um. Outro dia, até diante de uma criança que o abraçava, se debulhou publicamente em lágrimas, deixando o menino assustado. Fez a mesma coisa em uma formatura de militares, semana antes.

Com políticos da base, assessores, meros visitantes, o roteiro se repete. Um dos mais próximos auxiliares, ao presenciar a frequência com que a cena acontecia, comentou desolado o temor de que talvez o chefe tenha “perdido de vez a sanidade”. Não está longe da impressão da maioria que cerca o capitão. Aliados receiam pela sua saúde mental após ele ter adotado como verdade absoluta ideias e mensagens as mais absurdas, a maioria embalada por fake news que se espalham nas redes sociais, via seguidores e fanáticos simpatizantes. A que o mandatário mais acredita e passou a incorporar como mantra: a de ter sido o legítimo vencedor da peleja eleitoral.

Por legítimo, entenda-se qualquer coisa. Bolsonaro alega, por exemplo, que “a prova mais evidente está nas ruas”, no apoio dos que mantêm vigília diante dos quartéis (meia dúzia de gatos pingados, ok, porém fiéis, aos quais reputa a demonstração “inequívoca” de uma popularidade hegemônica). A tal ponto Bolsonaro mostra-se convicto disso que voltou a pedir ao cacique do PL, Valdemar Costa Neto, que apelasse formalmente ao TSE pela anulação do escrutínio, passando a declará-lo como o escolhido pelas urnas. Pode parecer estapafúrdia a demanda, mas foi isso mesmo que ele fez.

Naturalmente, dessa vez – após o papelão de ter insinuado fraude sem provas e de ter levado uma multa superior a R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé com o fajuto relatório de conclusões que apresentou –, o ex-mensaleiro Valdemar saiu pela tangente e declinou da tarefa. Não iria embarcar em mais uma canoa furada, sob risco de perder a autoridade que resta à coligação, cujo mandatário figura, por enquanto, como principal estrela. Não tem jeito. Bolsonaro está só, perdido em seus pensamentos. Nenhum deles de boa índole. Ao menos no tocante a um comportamento civilizado, republicano, esperado de um chefe da Nação prestes a passar a faixa, mesmo que simbolicamente falando. A perspectiva de golpe segue no radar. Decerto apenas no dele, fique claro! Nem mesmo os filhos dão crédito ou pelotas à ameaça. Simplesmente, não levam a sério. Já admitiram que acabou. Pedem compaixão e compreensão ao momento vivido pelo pai. Familiares foram aconselhados a levar o presidente para uma avaliação médica mais detalhada.

A última cruzada em forma de alerta, como um prognóstico apocalíptico do Messias “mito”, é de que “algo decisivo irá acontecer entre o Natal e o Ano Novo”. Efetivamente existem apenas os devaneios, típicos de um Dom Quixote contra os moinhos. Os detratores mais ácidos dizem pior: estão tratando Bolsonaro como uma espécie de Napoleão de hospício. A não aceitação da derrota evoluiu para um estágio de bloqueio de todos os fatos. Por exemplo: para o mandatário, os militares estão todos ao seu lado, como uma guarda pretoriana pessoal e não uma força de Estado, bastando apenas uma ordem para acabar com tudo e restabelecer a vontade “da maioria” de garantir a sua permanência no Planalto. Há quem alegue que ele pode, efetivamente, “cometer uma loucura”.

Outros – das fileiras de aliados, diga-se –, como o deputado federal Otoni de Paula, reclamam do silêncio presidencial que “beira a covardia”. Nem uma coisa, nem outra. Absolutamente corriqueiros os delírios de alguns ocupantes do poder. Em tempos remotos e circunstâncias distintas, o então presidente Jânio Quadros, antes de renunciar, falava em “forças ocultas”, que certamente habitavam apenas a sua mente. Talvez sejam as mesmas forças que estão a mover o discernimento do capitão nos dias de hoje.