Apoiado pelos militares, o presidente não hesita em expor publicamente seus generais. As humilhações são corriqueiras e sugerem que ele prefere hoje dar mais espaço à ala ideológica. No entanto, a pacividade dos militares parece estar com os dias contados. Após sete meses de ostracismo, o general Otávio Rêgo Barros foi demitido do posto de porta-voz da Presidência e deixou o cargo atirando. Barros publicou um artigo para traçar um paralelo entre um general romano e Bolsonaro. O general escreveu: “o poder inebria, corrompe e destrói!”. Mesmo sem citar o nome de Bolsonaro, alertou para o fato do presidente não ser um general romano: “Lembra-te da próxima eleição!”.

A reação do militar encontra apoio entre seus pares e aponta para um governo desarticulado. Rêgo Barros tem uma postura crítica, parecida com a do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Ele foi o primeiro ministro militar a ser demitido, em junho de 2019, após ser ofendido pelo vereador Carlos Bolsonaro e por Olavo de Carvalho. Na ocasião, o guru publicou em rede social: “Controlar a internet, Santos Cruz? Controlar a sua boca, seu merda”. Sobre os ataques aos militares, que continuam acontecendo até hoje, o general disse a ISTOÉ: “É desrespeito geral, por despreparo, inconsequência e bossalidade. Junta todos os desrespeitos e a reunião de 22 de abril e você vai ter um diagnóstico do padrão de liderança no país”, afirmou Santos Cruz.

Outro recente episódio de humilhação foi comandado pelo próprio presidente. O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, encaminhou negociação pela compra da vacina do Instituto Butantan contra a Covid-19. Enciumado com o protagonismo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), Bolsonaro desautorizou publicamente o ministro, forçando-o a gravar um vídeo em que o ministro diz: “É simples assim, um manda e outro obedece”. Mas Bolsonaro foi além e surpreendeu o ministro com a revogação do Decreto 10.530, no dia 28, editado pelo general para facilitar a privatização das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). O desprestígio de Pazuello ficou ainda mais evidente.

Os que conhecem o presidente dizem que ele quer se vingar do tempo em que foi desprezado como militar. O senador Major Olímpio (PSL-SP) diz que ele quer revanche: “Esse tratamento do Bolsonaro com militares é recalque. Ele não conseguiu entrar em uma solenidade nas Agulhas Negras quando era vereador”, disse o Major. O indisciplinado militar, aposentado precocemente aos 33 anos de idade, tem sede de mostrar quem manda agora.

Volta de motocicleta

“O poder inebria, corrompe e destrói” – General Otávio Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência (Crédito:Divulgação)

Mas quando Bolsonaro trata do assunto, ele minimiza a gravidade dos ataques contra os militares. Foi o que aconteceu no episódio em que o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, foi chamado de “Maria Fofoca” pelo ministro Ricardo Salles. Ao invés de repreender o ministro do Meio Ambiente, o presidente preferiu levar Ramos para dar uma volta de motocicleta e tomar um lanche. Ramos foi acusado pela ala ideológica de vazar informações sobre a volta de brigadistas do Ibama que combatem os focos de incêndio. O deputado Eduardo Bolsonaro saiu em defesa de Salles: “Força, ministro. O Brasil está contigo e apoiando seu trabalho”, disse no Twitter. A defesa de Ramos, no entanto, veio de fora do governo. Vários deputados e senadores manifestaram apoio ao general. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PSD-RJ), disse que Salles “resolveu destruir o próprio governo”. Davi Alcolumbre, presidente do Senado, afirmou que “não é saudável que um ministro ofenda publicamente outro integrante do governo”.

Conhecido como apaziguador, o general Walter Souza Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, interviu para que o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ficasse no cargo quando houve o embate público entre ele e o presidente sobre o distanciamento social e uso da cloroquina, logo no início da pandemia. O resultado da discussão entre eles levou a um virulento ataque por perfis bolsonaristas nas mídias sociais, organizado pelo “gabinete do ódio”, envolvendo Braga Netto.

O cientista político Ricardo Ismael diz que os militares tornaram-se uma pedra no sapato do presidente. “Os militares foram muito úteis ao presidente, mas Bolsonaro espera que eles não façam política, eles são cumpridores de tarefa”, disse Ismael. Segundo ele o estigma trazido da Ditadura Militar fez dos generais cidadãos pouco respeitados na política. Por isso, ele entende que “o desgaste existe quando os militares são humilhados publicamente”. Para Ismael, no entanto, “dificilmente eles se rebelarão. Na verdade eles querem compor com o poder”. Além dos militares o governo ainda é apoiado pela ala ideológica, pelos conservadores, pelos técnicos e pelo Centrão “que compõem uma coalizão momentânea”. Hoje, o presidente prefere dar força ao grupo ideológico onde estão os seus filhos, o guru Olavo de Carvalho e os ministros Ernesto Araújo e Ricardo Salles.

Outro general que já foi alvo de pesados ataques do grupo ideológico foi o vice-presidente, general Hamilton Mourão. Ele chegou a ser chamado de traidor no Twitter por Carlos Bolsonaro. Mourão ficou vários meses no ostracismo do governo, desde 2019, diante dos ataques da área ideológica. Mas hoje conseguiu recuperar sua posição de destaque no governo. Bolsonaro lhe deu a Presidência do Conselho da Amazônia, mas já disse publicamente que ele não será o seu vice em 2022. O flerte com os partidos do Centrão tem dado a dica de onde virá a composição de Bolsonaro na tentativa de reeleição. Militares seguem sendo preteridos em detrimento da área ideológica. Até quando?