23/12/2020 - 9:30
No começo de 2020, Paulo Guedes dizia que apenas R$ 5 bilhões seriam suficientes para enfrentar a pandemia. Como sempre, fez uma previsão desconectada da realidade. Em março, afirmou: “Se [o Brasil] fizer muita besteira, o dólar pode ir a R$ 5”. A marca foi alcançada apenas uma semana depois. Felizmente, Bolsonaro e seu ministro novamente foram contidos pelo Congresso no último ano. O auxílio emergencial foi um programa gestado no Parlamento, contra a vontade do governo. Só quando estava na iminência de ser aprovado o presidente o encampou, e o valor do benefício subiu para R$ 600. Apesar das distorções, deu rendimentos a milhões de informais e triplicou a renda de 14 milhões de famílias do Bolsa Família. Mesmo com a falta de prioridade social do governo, o auxílio tirou um milhão de famílias da pobreza extrema e diminuiu os índices históricos de desigualdade. Representou na prática uma grande mudança de curso. Antes do benefício emergencial, um milhão de famílias esperava na fila para entrar no Bolsa Família — programa que custa dez vezes menos e estava sendo represado. Além disso, o benefício não foi só social. O auxílio emergencial movimentou a economia e fez o tombo ser menor — cerca de metade do previsto no início do ano. Porém, levou à expansão acelerada da dívida pública. O benefício está acabando, ao mesmo tempo em que as contas públicas estão numa situação dramática.
“Há muitas incógnitas. O que se sabe é que o crescimento será baixo em 2021. Não porque falta dinheiro, mas porque não existe plano”André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton
Reformas paralisadas
E o governo Bolsonaro não tem indicado como vai enfrentar esse desafio. Guedes tem insistido que não vai driblar o teto de gastos, o que poderia levar à insolvência fiscal. O melhor caminho seria a contenção dos gastos — racionalizando custos e promovendo privatizações, por exemplo. Mas o mandatário mostra pouca disposição para isso. A Reforma Administrativa, que conteria as despesas com o funcionalismo, foi desfigurada pelo próprio presidente. A PEC emergencial, que criaria gatilhos para os gastos públicos em caso de crise, também foi descaracterizada. O Congresso queria passar a Reforma Tributária, mas a prioridade do ministro da Economia é recriar a CPMF, o imposto de cheque, sob o argumento de que isso permitiria desonerar a folha de pagamento das empresas e gerar mais empregos — um resultado duvidoso. Diante da falta de rumo do governo, a pressão inflacionária pode se agravar, levando o Banco Central a aumentar as taxas de juros, atualmente em níveis historicamente baixos (2%). A expectativa do mercado é que a Selic chegará a 3% no próximo ano, mas medidas populistas do governo podem acelerar essa alta. Isso afetaria setores que se mostraram dinâmicos mesmo na crise, como a construção civil. Os problemas de falta de crescimento e investimento poderiam se agravar.
Os Bancos Centrais terão pouca margem de manobra para novos estímulos fiscais. Os juros já estão baixos ou negativos em vários países
Para o economista chefe da Necton, André Perfeito, as incógnitas são muitas. Segundo ele, não se sabe se a distribuição de renda continua, nem se a Reforma Tributária sairá do papel ou se os juros devem subir. “O que se sabe é que o crescimento será baixo em 2021. Não porque não há dinheiro, mas porque não existe plano”, afirma. Ele ainda vê com preocupação o surgimento da segunda onda de contaminação e a aproximação de um novo grupo político no governo. O especialista se refere ao Centrão, grupo fisiológico que se aliou a Bolsonaro e pode chegar à presidência da Câmara em fevereiro com o apoio do presidente. “A negociação para governar faz parte do jogo, mas pode custar caro”, diz. Já Fabio Silveira, economista e sócio da consultoria MacroSector, não vê consenso para a realização das reformas e acha que o crescimento do PIB em 2021 não passará de 2,5%. “Paulo Guedes está de mãos atadas porque depende do Congresso e, sem acordo, não fará reformas. Se o governo não fosse tão confuso, cresceríamos 4%”, diz. Os economistas ouvidos pelo BC no mais recente boletim Focus projetam uma expansão de 3,5%. Mais pessimista, a OCDE estima crescimento de 2,6% em 2021 e de 2,2% em 2022. Para Nelson Marconi , da FGV, o crescimento da economia será, na verdade, meramente estatística, uma vez que a base de comparação de 2020 está muito achatada. “O governo continua gerenciando muito mal a pandemia, diferente de outros países, e a perspectiva é de que possa acabar isolado”, argumenta. Além disso, os investimentos não devem ser retomados facilmente. “A questão é saber o que o governo vai fazer, pois ele não sinaliza nada e essa desorganização terá impactos.”
Por causa da pandemia, os governos de vários países foram obrigados a promover uma série extraordinária de estímulos, que terão impacto em 2021. Essa injeção representou 29% do PIB global, calcula o Bank of America. Só os EUA expandiram sua base monetária de US$ 3,5 trilhões para US$ 5,3 trilhões para reativar sua economia. Isso traz benefícios. “Ajudou, inclusive, a baixar o valor da moeda americana em diversos mercados, como o Brasil, apesar do descalabro fiscal bíblico”, argumenta Silveira. Segundo ele, a baixa do dólar pode ter efeito nos preços das commodities, o que deve tirar a pressão da inflação no Brasil. Também pode haver uma valorização do real com a entrada de dólares vindos de investidores que estão procurando mercados emergentes, fugindo de mudanças nos EUA após a posse de Joe Biden. Mas o movimento também embute riscos. Tanto dinheiro circulando pode levar a bolhas. Além disso, no próximo ano, os Bancos Centrais terão pouca margem para ampliar suas ações, já que os juros estão historicamente baixos, ou mesmo negativos, nos países desenvolvidos.
Em 2020, a economia brasileira se manteve onde já era forte: o agronegócio. Segundo a consultoria MacroSector, a receita agrícola no próximo ano deve crescer 9%, atingindo R$ 580 bilhões. Para se ter uma ideia da força desse setor para o País, esse montante representa um aumento de 44% em apenas dois anos. Esse resultado mostra que há oportunidades para a expansão, mas o fator político sempre será determinante. Assim como há otimismo com a cura da Covid-19, novas cepas do vírus assustam e embaralham as expectativas de recuperação. De forma análoga, também a economia viverá solavancos e exigirá cautela e persistência em 2021.
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