Certa vez, lembraram ao filósofo do anarquismo Mikhail Bakunin que a destruição das instituições poderia levar ao desaparecimento do legado da humanidade, como a obra dos grandes compositores. Tudo bem, disse ele, se tudo se perder. “Mas devemos lutar, com a própria vida se for preciso, para preservar Sinfonia nº 9 de Beethoven.” É uma nova arte, uma nova música, para um novo homem diria, mais ou menos na mesma época, Richard Wagner em um pequeno livro sobre o autor.

Hipérboles como essa são comuns quando se discute as nove sinfonias de Beethoven. Elas representam, diz o maestro Roberto Minczuk, “o apogeu da música ocidental”. “Se Bach instituiu os pilares da música ocidental, é Beethoven que cria a noção de música moderna, que define os parâmetros da orquestra sinfônica. É ali que a orquestra começa de fato a se desenvolver. Ninguém havia feito nada parecido.”

As sinfonias não são raras na temporada de concertos no Brasil, mas a interpretação das nove, em sequência, em três dias, é menos frequente. E é a isso que se propõe a Orquestra Sinfônica Municipal, sob regência de Minczuk, a partir de hoje quando, serão interpretadas as sinfonias n.º 1 e 2. Amanhã e domingo, serão dois concertos por dia, com as nº 3 e nº 4, a nº 5 e a nº 6, a nº 7 e a nº 8 e, finalmente, a nº 9, com a participação do Coro Lírico, do Coral Paulistano, da soprano Lina Mendes, da mezzo-soprano Keila de Moraes, do tenor Fernando Portari e do baixo Sávio Sperandio.

As sinfonias foram escritas por Beethoven ao longo de um período de XX anos, entre 1800 e 1824. Ocupam, portanto, um espaço de tempo que vai de meados da carreira aos anos finais do compositor, quando ele já estava surdo. “É notável a evolução de Beethoven ao longo das obras, como o é também quando consideramos o ciclo das 32 sonatas para piano”, diz Minczuk. “Mas é importante lembrar que, desde o começo da sinfonia nº 1, já há algo novo: ela não começa de forma pomposa, mas sim de maneira misteriosa, algo completamente sem precedentes.”

Para Minczuk, a importância que as peças ganharam vão além de questões técnicas, como a utilização de novos instrumentos na orquestra ou a presença de um coro e de solistas, como na Sinfonia nº 9. Para ele, há nelas uma simbologia e um significado que precisam ser contemplados tanto por quem toca como por quem ouve.

“Beethoven foi evoluindo em termos de grandeza, sonoridade, de extremos, foi rompendo com paradigmas, escandalizando o público. A força e a violência do início das sinfonias nº 3 e 5, por exemplo, mostram um autor frustrado com a própria surdez, com a dificuldade da vida em sociedade, com os próprios traumas. Essas sinfonias expõem claramente sua revolta. Mas, ao mesmo tempo, Beethoven é sempre positivo: os dramas e traumas convivem com a esperança, com a ideia de que a vida, com todas as suas dificuldades, vale a pena ser vivida”, diz o maestro.

Ele ressalta, no entanto, que as obras são muito contrastantes entre si. “Não há nada parecido entre elas, os movimentos são sempre diferentes em caráter, você não consegue identificar um padrão se repetindo. Na Sinfonia nº 3, você tem o impacto de um compositor que levanta as bandeiras da Revolução Francesa, que fala de ideais, liberdade, igualdade, que fala da ruptura com a monarquia e a aristocracia. Já na Sinfonia nº 6, o que ouvimos é a importância do contato com a natureza, o canto dos pássaros, o barulho dos riachos, o fascínio pela vida no campo. E se a 9ª traz todo o aparato coral para o universo das sinfonias, a 7ª é símbolo da simplicidade, a simplicidade que apenas um gênio é capaz de atingir.”

BEETHOVEN TOTAL

Teatro Municipal

Pça Ramos de Azevedo, s/n.

Tel. 3053-2090.

Sinfonias nº 1 e nº 2, sexta-feira (31/5), 20h.

Sinfonias nº 3 e nº 4, sábado (1/6), 17h.

Sinfonias nº 5 e nº 6, sábado (1/6), 20h.

Sinfonias nº 7 e nº 8, domingo (2/6), 17h.

Sinfonia nº 9, domingo (2/6), 20h. R$ 12 / R$ 40

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.