BELEZA E PERSONALIDADE Maria Thereza Goulart: esposa de João Goulart e primeira-dama de 1961 a 1964 (Crédito:Arquivo / Agência O Globo)

No dia da posse, enquanto o público aguardava a fala do presidente Jair Bolsonaro em 1º de janeiro de 2019, a sua mulher, Michelle, tomou a frente e, pela primeira vez em nosssa história republicana, uma primeira-dama discursou antes do marido. Tudo faz crer que tenha sido aí o primeiro movimento do jogo populista do governo, uma vez que a agenda do marido, ao longo do primeiro ano de seu mandato, em nada valorizou as mulheres. Outra prova de que tudo não passou de marketing político é que Michelle sumiu de cena e se encaixou na lógica de subalternidade que sempre caracterizou as primeiras-damas do País. Michelle não cursou ensino superior, tem como principal função cuidar da vida doméstica do casal e, quando sai dessa rotina, é para acompanhar os compromissos de Jair. A identidade e a individualidade dessas mulheres que se tornaram esposas de maridos que se tornaram presidentes em um Brasil que nunca se tornou democrático na questão de gênero são analisadas no recém-lançado livro “Todas as mulheres dos presidentes” (editora Máquina de Livros). Ele conta a trajetória das trinta e quatro primeiras-damas do Brasil nos 130 anos de República. Os autores são os jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo, que mostram como essas mulheres foram sempre coadjuvantes.

CULTURA Ruth Cardoso, uma das poucas primeiras-damas com curso superior (Crédito:Divulgação)

A primeira caricaturista do País

Entre as primeiras-damas, somente três concluíram o ensino superior: Ruth Cardoso, Marcela Temer e Rosane Collor — e apenas Ruth, esposa de Fernando Henrique Cardoso, exerceu a profissão. Mas recuemos no tempo e então encontraremos Mariana Cecília de Sousa Meireles, esposa do marechal Deodoro da Fonseca. Nem no mausoléu da família Mariana tem o seu nome gravado. Morreu como viveu: mera sombra do patriarcado. Além da questão de gênero, o livro mostra que há um racismo escancarado: em todos os anos de República não houve uma única primeira-dama negra. “Sempre mantivemos o estereótipo branco, das classes média ou alta. A exceção foi Marisa, mulher de Lula, que, embora branca, vinha de uma família de trabalhadores italianos. E Michelle, nascida em uma família pobre da periferia de Brasília”, diz Ciça à ISTOÉ. Outro aspecto da cultura patriarcal é o casamento precoce. Catorze anos foi a idade que três delas, portanto ainda adolescentes, se casaram, enquanto outras treze colocaram a aliança antes de completar vinte anos. Quarenta e três anos separam, por exemplo, as datas de nascimento de Marcela e Michel Temer. Já Hermes da Fonseca, segundo presidente do País, casou-se com Nair de Teffé von Hoonholtz aos 58 anos, enquanto ela contava com 27. Após o casório, adeus profissão para a talentosa Teffé, que foi pioneira da caricatura no País.

Aos 26 anos de idade, Maria Thereza suportou todo o clima de golpismo contra o seu marido, João Goulart, esteve nos derradeiros comícios e foi sua grande companheira no exílio

Indo na contramão da rotina de afazeres domésticos, Darcy, esposa de Getúlio Vargas, iniciou trabalhos para além do Palácio do Catete, que então sediava o governo federal. “Com Darcy, a assistência social passou a ser uma função do Estado. Antes, esse papel cabia a entidades filantrópicas, como as Santas Casas”, diz Melo à ISTOÉ. Darcy construiu entidades de ajuda à população pobre, como a Casa do Pequeno Jornaleiro e a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Ela foi, assim, uma das raras primeiras-damas que não ficaram no ostracismo. Como a história política tem lá os seus caprichos, sobretudo quando se trata do Brasil, já tivemos uma mulher na função de presidente mas, nem nessa ocasião, houve um primeiro-cavalheiro. Dilma Rousseff, quando assumiu o cargo, já estava separada do também ex-guerrilheiro Carlos Araújo. A autora Ciça, finalmente, escolhe Sarah Luísa Gomes de Sousa Lemos, esposa do presidente bossa-nova Juscelino Kubitschek, como sendo a sua favorita. É historicamente inegável, no entanto, que Maria Thereza Goulart, esposa do ex-presidente João Goulart, golpeado em 1964 pelos militares, foi a ex-primeira-dama mais importante do Brasil no campo político: aos 26 anos de idade suportou todo o clima de golpismo contra o seu marido, esteve com ele presente nos derradeiros comícios e foi a sua grande companheira no exílio.