Se há um efeito inexorável dos grandes conflitos armados sobre a economia é o aumento da inflação. A Segunda Guerra Mundial mostrou isso de maneira avassaladora e estabeleceu uma divisão entre os teóricos brasileiros a partir dos anos 1940. Para os liberais, representados por economistas como Eugênio Gudin, um defensor da vocação agrária nacional, ela era uma consequência de cortes na oferta e do aumento da demanda de gêneros alimentícios e commodities minerais pelos países em guerra. Sob essa perspectiva, os preços no mercado interno se submetem e acompanham a mudança das cotações internacionais e quem paga a conta é a população. Já os desenvolvimentistas, que tinham no empresário e economista Roberto Simonsen um exemplo bem acabado, a inflação não era inevitável, mas uma falha do processo de desenvolvimento, acentuada pela necessidade de importar manufaturados. Para Simonsen, ela resultava de um contexto de exceção, em que produtos importados ficavam mais caros por causa da inexistência de oferta interna. A saída seria a industrialização com o objetivo de substituir importações.

As duas situações estão colocadas neste momento em que há uma guerra com impacto global e desdobramentos imprevisíveis. O trigo, por exemplo, subiu 29% desde o início dos conflitos, afetado principalmente pelo fato da Rússia e a Ucrânia serem responsáveis juntas por 30% dos embarques totais do produto. A Rússia é o quarto maior produtor e o maior exportador e a Ucrânia, sétimo fornecedor mundial. Com a guerra, os produtores brasileiros, que compram o grão principalmente da Argentina, já adiantam que os preços do pão e do macarrão aumentarão nas próximas semanas, sem que nada possa ser feito para evitar o reajuste. Em outra frente, o Brasil tem um problema até maior que o do trigo. E aí não é apenas uma questão de alinhamento internacional de preços, mas de um fracasso na industrialização, de uma falta de visão desenvolvimentista. Trata-se da incapacidade nacional de produzir fertilizantes NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), o que o torna altamente dependente de importações. O País compra fora 85% dos adubos que consome e, com a interrupção das vendas da Rússia e de Belarus, grandes produtores mundiais, e um rápido aumento de preço, o país vê sua enorme produtividade agrícola e sua competitividade ameaçada num futuro próximo.

Passadas quase oito décadas do fim da Segunda Guerra, o Brasil continua atrelado ao modelo de Gudin e não foi capaz de criar uma estrutura industrial para suprir, por exemplo, suas necessidades de fertilizantes, que representam cerca de 25% dos custos de produção agrícola e terão enorme impacto no preço final dos produtos na próxima safra. Para um país com vocação para o agronegócio isso é uma vergonha, uma terrível falha sistêmica, além de ser um gatilho inflacionário em curto prazo, que vai levar a mais um expressivo aumento do preço dos alimentos. Mais uma vez o Brasil vai ser vítima de sua própria inoperância e da incapacidade de se industrializar. Nenhum outro expoente do agronegócio, como Estados Unidos ou China, é tão dependente de importações de adubos e, portanto, estão mais protegidos da pressão inflacionária. A inflação dos alimentos é um fator determinante para o aumento da insegurança alimentar e por aqui ela avança mais rápido do que em outros países.