Que Bolsonaro rebaixou a inteligência de toda a Nação, disso quase ninguém mais duvida. Que a amplificação de uma narrativa grotesca e bizarra alcançou territórios nunca antes imaginados, sobre isso há um consenso estampado nas redes sociais e nos espaços materiais. Que essa agenda regressiva acabou colocando a campanha eleitoral deste ano na rubrica da baixeza, com performances pedestres, é legado até o momento inescapável.

Em face de um cenário tenebroso em que os dois candidatos esgrimam seus argumentos no pântano, a pergunta que não cessa é: será possível sair dos liames impostos por aquela agenda e restabelecer o debate eleitoral nos marcos da civilidade? De que maneira escapar das regras de um duelo que coloca em risco a humanidade de todos? Como instituir novas regras que estão além das sanções jurídicas? (dia sim, outro também, presenciamos ordens expressas dos tribunais superiores para a retirada deste ou daquele conteúdo, produzido e veiculado por ambos os candidatos). Terrorismo moral, guerra religiosa, fake news de várias ordens, adoção da política de costumes da forma mais rasteira é “o que se tem para hoje”, bem ao modo da filosofia do padeiro, e, pelo visto, é o que teremos até às vésperas do segundo turno, no próximo dia 30.

A candidatura do ex-presidente Lula, primeiro colocado nas pesquisas, não consegue por em jogo um menu temático capaz de romper com a regressão e o golpe baixo impostos pela tática bolsonarista e mantém-se no mesmo quadrante do adversário em termos de ação comunicativa.

É preciso reconstituir o debate político nos perímetros da esfera pública, mesmo tendo ciência de que foi a própria esfera pública que se modificou

Embora não se negue que esse tipo de ação acabe funcionando para os fins a que se presta (conquistar e manter eleitores para a votação numa ambiência animada pelas redes sociais e seus derivados), deve-se questionar se essa lógica é a única possível.

Venho defendendo que, a despeito de um novo paradigma da comunicação, em que a crença e a opinião, e não a informação e o conhecimento tornaram-se as principais commodities das trocas informativas, é preciso reconstituir o debate político nos perímetros da esfera pública, mesmo tendo ciência de que foi a própria esfera pública que se modificou, desde a criação do termo pelo filósofo Jürgen Habermas.

Não podemos esperar o pós-eleição. É preciso que tal aspiração, uma agenda reivindicatória, seja posta como prioridade nos próximos dias; faz-se urgente propugnar outra ação comunicativa, sob pena de fagocitarmos a própria política e o sujeito, restando apenas eu atomizados nas malhas digitais, artifícios deformados do exercício da política que atuam conforme suas crenças, sem nenhuma responsabilidade com o coletivo e com
a emancipação de todos.