Em 23 de junho de 2016, os eleitores do Reino Unido decidiram abandonar a União Europeia. Quem era a favor da saída dizia que a Inglaterra bancava os países mais pobres; quem queria ficar na UE alegava que a unidade do bloco fortalecia o comércio internacional e integrava o país a Europa. As redes sociais tiveram papel essencial na eleição e, como destruir é sempre mais fácil que construir, o discurso que disseminava o ódio aos europeus e imigrantes dominou a discussão e o “Brexit” venceu. A campanha de desinformação omitira dos eleitores, porém, que mais da metade das exportações inglesas tinham como destino os outros 27 membros da comunidade, e que a saída custaria imediatamente US$ 9,7 bilhões – muito mais que “as contas dos países pobres” que os eleitores queriam falsamente evitar. Na minha opinião, o prejuízo foi muito maior – e recaiu não apenas sobre os ingleses, mas sobre todo o planeta.

É difícil apontar o dia exato em que a humanidade começou a voltar no tempo, mas arrisco a dizer que a vitória do Brexit é uma boa aposta. Logo depois veio a eleição de Donald Trump nos EUA, que acelerou a destruição das instituições democráticas e abriu de vez a tampa dos esgotos em todo o mundo. A maior prova do zeitgeist maligno que domina nossa era desde então foi a vitória de líderes autoritários em países periféricos como Hungria, Turquia, Polônia e, claro, Brasil. Os ingleses se arrependeram do Brexit e os americanos enxotaram Trump da Casa Branca, mas o estrago já estava feito. Levaremos décadas para reconstruir a civilização.

De um lado estão os que apoiam as mulheres, os negros e o desarmamento. Do outro, os machistas, racistas armados. É a verdade contra a desinformação

Esse cenário não é um fenômeno predominantemente político, mas sociológico. É ilusão acreditar que há uma disputa entre esquerda e direita ou entre capitalismo e comunismo. Isso desabou em 10 de novembro de 1989, junto com o muro de Berlim.

A batalha agora é entre a verdade e a desinformação, o jornalismo sério e as redes sociais, o pensamento medieval e o metaverso. Do lado do futuro estão os que respeitam as mulheres, apóiam as causas LGBTQIA+, lutam pela igualdade racial, pregam o desarmamento e aceitam seres humanos que pensam de forma diferente. Entre os que querem voltar ao passado estão os racistas, os armados, os autocratas, os pastores hipócritas, os machistas que culpam as vítimas de estupro, mas se calam sobre os estupradores. Lutamos contra o retrocesso: a verdadeira guerra hoje é do futuro contra o passado.