Elem Klimov chegou a ser comparado a Jacques Tati por seu retrato de um dentista cuja habilidade para extrair dentes – sem dor – o transforma em objeto de ódio pelos colegas. O filme era “As Aventuras de Um Dentista”, de 1965. Casado com Larissa Cheptiko, formavam o casal 20 do cinema soviético – mas ela morreu num acidente de carro, quando pesquisava locações para “Adeus a Matyora”, em 1979. Klimov concluiu o filme e fez um curta em tributo à mulher. Vida e obra sofreram radical transformação. Nunca mais o diretor de comédias. Em 1985, ele fez “Vá e Veja”, seu último filme.

Eleito dirigente da associação de diretores da URSS, aproveitou o clima da perestroika para enterrar a censura. Iniciou diversos projetos e não concluiu nenhum. Em 2000, anunciou que estava abandonando o cinema. Em 2003, aos 70 anos, morreu. “Vá e Veja” integra o pacote de filmes licenciados pelo selo CPU/UMES com a Mosfilm para distribuição exclusiva em DVD no Brasil. Não é só um dos grandes filmes do cinema. Talvez seja o mais terrível entre os filmes de guerra. Basta comparar com o poderoso “Dunkirk”, de Christopher Nolan, atualmente em cartaz nos cinemas.

O título vem do Livro bíblico das Revelações. O Apocalipse. Quando se romper o quarto selo, o horror saltará aos olhos do observador. Vá e veja, advertem os signos. Um garoto. Quando o filme começa ele ainda é um menino e sonha se juntar ao Exército vermelho para derrotar os nazistas. Quando termina, é um velho alquebrado pela experiência. Klimov situou a ação do filme na Bielorússia, hoje Belarus. Dos 9 mil vilarejos e cidades da região, cerca de 6 mil foram destruídos pelo Exército de Adolf Hitler, com todos os habitantes. A síntese desse horror é a cena em que Floryan, o protagonista, é preso com a população da cidadezinha na igreja e os nazistas tocam fogo.

Primeiro a luta de Floryan é heroica. Depois, ele só tenta permanecer vivo. Uma bomba explode perto dele e Floryan fica surdo. Em outra, está no campo, em meio a um rebanho. Que instinto é esse que faz as vacas se agitarem, sabendo que vão morrer? E de onde virá a morte? Animais num matadouro não têm tanta consciência da destruição iminente. A metáfora é terrível. Filmado em elaborados planos-sequência, o filme é visceral. A humanidade, no caos, clama por renascimento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.