Quem passou a vida ouvindo Tony Bennett cantar a balada romântica “The Way You Look Tonight”, um de seus grandes sucessos, nem imagina que, antes de celebrar o amor, ele presenciou os horrores da guerra. Como soldado da 63ª. Divisão da Infantaria americana, o jovem nova-iorquino lutou contra o nazismo e participou de uma das missões mais terríveis do conflito: a libertação do campo de concentração de Landsberg, na Alemanha. Ao voltar para os EUA, Anthony Dominick Benedetto queria esquecer tudo que viu. Mergulhou de cabeça em um universo que era oposto à destruição: a música. Em 30 de abril de 1951, lançou seu primeiro sucesso como cantor, “Because of You”, após ouvir uma única recomendação: “não imite Frank Sinatra”, exigiu o produtor Mitch Miller. Bennett seguiu o conselho. Hoje, após 70 anos de sucesso e 90 milhões de discos vendidos, anunciou o que ninguém queria ouvir: a sua aposentadoria.

Bennett comemorou 95 anos de idade no palco do Radio City Music Hall, em 3 de agosto. Para se ter uma ideia da relação de amor entre o cantor e sua cidade natal, a data será oficializada como “Tony Bennett Day”. Foi o primeiro dos seus dois shows de despedida, ambos ao lado de Lady Gaga – o último aconteceu dois dias depois. A cantora se tornou uma parceira frequente de Bennett nos últimos dez anos, desde que gravaram juntos uma versão de “The Lady is a Tramp”, canção que entrou na coletânea “Duets”, lançada de 2011. No álbum, Bennett dividiu o microfone com diversos artistas contemporâneos, entre eles Gaga, Amy Winehouse e John Mayer, estratégia que o aproximou do público mais jovem e tornou sua plateia ainda mais ampla.

LADO A LADO Tony Bennett e Lady Gaga: dois álbuns juntos e shows de despedida no lendário palco do Radio City Music Hall (Crédito:LARRY BUSACCA)

A química musical entre Lady Gaga e Tony Bennett foi tão boa que deu início a uma bela amizade entre os dois, relação que os levou a gravar um álbum inteiro juntos em 2014, “Cheek to Cheek”. O disco reúne uma coleção de duetos de grandes hinos do léxico musical norte-americano, como a faixa-título, de Irving Berlin, e “Anything Goes”, de Cole Porter. A colaboração no clássico de Porter, inclusive, inspirou o álbum de despedida de Bennett, que sai em outubro: “Love for Sale” traz novamente duetos com Lady Gaga, mas dessa vez o repertório é composto apenas por canções do autor de “Red, Hot and Blue”. O primeiro single, “I Got Kick Out of You”, já está disponível nas plataformas digitais.

Segundo o empresário e filho do cantor, Danny Bennett, seu pai foi diagnosticado com o Mal de Alzheimer em 2016, aos 90 anos. “Parar foi uma decisão difícil, já que ele ainda é um artista capaz”, disse Danny. “Essas, porém, são ordens do médico. Não estamos preocupados se ele é capaz de cantar. Ele nunca erra uma frase, sempre sobe ao palco e vai em frente. Estamos preocupados apenas do ponto de vista físico, com a natureza humana. Tony tem 95 anos.”

O fim da carreira de Bennett é o fim de um era de grandes crooners, cujo maior expoente foi o colega Frank Sinatra, onze anos mais velho. Sinatra, porém, nunca escondeu a admiração pelo amigo: “Tony é o melhor cantor da indústria”, disse, em entrevista à revista “Life”. “Ele me comove pois consegue transmitir o que o compositor tinha em mente e, provavelmente, um pouco mais.” Bennett não voltará a cantar, mas seus 61 álbuns de estúdio, 11 discos ao vivo e 83 singles seguirão cantando para nós eternamente.