Estagnado nas pesquisas de intenção de votos, Jair Bolsonaro criou uma bomba fiscal em nome da reeleição. O pacote social costurado às pressas entre bochichos com aliados, cujo custo será de R$ 38,7 bilhões extra-teto, enterra de vez as contas públicas em uma situação caótica, mesmo sem garantir um impacto permanente e significativo sobre o bolso dos brasileiros, que enfrentam os efeitos danosos de uma inflação galopante. De quebra, com o projeto, avalizado pelo Senado e sob a promessa de chancela da Câmara, o presidente rasga a lei eleitoral, repete a “contabilidade criativa” que tanto criticou na gestão Dilma Rousseff e corre o risco de ser julgado por abuso de poder político.

Inserida em um uma proposta antes apelidada pela equipe econômica como “PEC Kamikaze”, a cesta de bondades do governo, que, tempos atrás, era condenada pelo liberal Paulo Guedes, inclui a ampliação da parcela mensal do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, o aumento do vale-gás repassado bimestralmente a famílias carentes de R$ 53 para R$ 120 e a criação de um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos, além de uma transferência bilionária a estados para a produção de etanol e como compensação pelo uso gratuito do transporte público por idosos.

Para driblar a legislação, que proíbe a criação ou ampliação de benefícios sociais em ano eleitoral, o relator da matéria no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), propôs o reconhecimento do estado de emergência, que libera a gestão das amarras. Ao justificar a medida, o parlamentar recorreu à crise mundial, que elevou os preços do petróleo. O emedebista ainda tentou garantir um cheque em branco ao Planalto ao livrá-lo da “aplicação de qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza”, mas recuou após protestos de senadores independentes e da oposição.

Casuísmo eleitoral

Ainda assim, a investida é arriscada. Juristas ouvidos por ISTOÉ afirmam que existem precedentes na Justiça Eleitoral de punição a agentes públicos que decretaram o estado de emergência de forma casuística para driblar a lei e acabaram condenados a 8 anos de inelegibilidade por abuso de poder. “No caso de um projeto como esse, que resulta em benefícios eleitorais para o presidente e cujos efeitos terminam pouco após o pleito, o Judiciário pode identificar desvio de finalidade. Uma coisa é reconhecer emergência em uma pandemia, outra é fazê-lo por causa de uma crise que não é inédita, a poucos meses das eleições”, pontua Lucas Lazari, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

Para tentar se blindar, Bolsonaro editou nesta semana um decreto que concede à Advocacia-Geral da União, chefiada por Bruno Bianco, a palavra final sobre a legalidade de medidas desenhadas pelo governo no ano eleitoral. O órgão, até então, era consultado apenas quando identificadas divergências entre pareceres dos ministérios envolvidos no debate. Mas a medida, por si só, não o exime de responsabilidade, frisa Lazari. “O relatório jurídico pode servir como uma orientação, mas não evita a punição na Justiça Eleitoral se eventualmente uma ação for proposta e forem encontrados elementos de desrespeito à lei”, explica. A norma alivia o presidente na área civil, já que a reforma da Lei de Improbidade Administrativa estabeleceu que não existe dolo quando o governante age com o embasamento de pareceres técnicos.

A TOQUE DE CAIXA Pacheco colocou a PEC em votação com respaldo da consultoria técnica do Senado (Crédito:Mateus Bonomi )

O decreto deve ser questionado no Supremo Tribunal Federal. O deputado Reginaldo Lopes, líder do PT no Senado, avalia acionar a Corte por entender que o normativo resulta em um desvio de finalidade da AGU, que acabaria sendo usada para ajudar o presidente a burlar a lei eleitoral — o petista chegou a apresentar um projeto de decreto legislativo, mas mesmo ele reconhece que Arthur Lira jamais o pautaria.

Na prática, próximas do estrangulamento, as torneiras brasileiras foram abertas para custear um projeto eleitoral falho, remendado às pressas pelo QG de Bolsonaro. A médio prazo, as benesses têm potencial de, em vez de garantir maior estabilidade às famílias, ampliar a tormenta delas, devido aos efeitos da reação do mercado a esse tipo de jogada, que costuma passar pela desvalorização do real ante o dólar e pelo impulsionamento da inflação. O presidente não está preocupado. No fundo, sabe que a bomba não estourará no colo dele, mas de seu sucessor.