Tocou o telefone do outro lado do mar. Eras tu.

— A noite passada percebi o mundo de uma maneira diferente, disseste. Não sei se foi uma epifania ou apenas o efeito daquela erva do Amazonas que não sei bem dizer o nome e que ontem à noite tomei pela primeira vez — um espelho brutal — mas penso que percebi muitas coisas importantes sobre o que nos está a acontecer. Hoje a humanidade toda junta, todos debaixo do céu, vivemos a Grande Pausa.

Disseste “Grande Pausa” com uma solenidade introvertida. Como se fosse uma espécie de descoberta científica privada que não é possível anunciar. Uma descoberta que, apesar de fazer falta a toda humanidade, apesar de ser a coisa mais urgente de entre todas as coisas urgentes, ninguém está ainda preparado para a perceber.

— The Big Freeze, glosaste de soslaio — apelando à síntese que só os ingleses têm e tu sabes — enquanto decidíamos como se podia chamar aquele diário de bordo para estes dias que vão mudar a Humanidade para sempre. A Grande Guerra, a Grande Depressão, a Grande Fome — a Grande Pausa.

Concordamos que o presente era o único ligar onde valia a pena estar. Único porque, nestes dias inimagináveis, é nele que está guardada a única folha de papel onde se pode entender o passado; e onde é possível acrescentar alguma coisa a esse futuro inatingível.

Estamos todos a trabalhar “como se não houvesse amanhã”, porque temos mesmo medo de morrer —disse eu cozinhado metáforas deste lado do oceano.

O sino da minha aldeia a cada meia hora me lembra que estou vivo e que o mesmo presente que habitamos os dois — a 9 mil quilômetros e 3 horas de distância — tem som, e cheiros, e tempo e corpos e saudades.

Mas é sobre o tempo — estavelmente congelado entre um inimigo implacável (invisível) e uma curva estatística exponencial (visível) onde incide a razão de pensar — que descortinamos o elemento fundador desta mudança.

Há uma nova teoria da relatividade, desta vez não aplicável à variação da massa quando exposta à velocidade da luz, mas sim a um desejo intrínseco que todos os seres humanos temos e não podemos formular: o desejo simultâneo (e por isso impossível) de que o tempo passe depressa e que ao mesmo tempo se sustenha.

Um interminável abraço de urso. Desejado e ao mesmo tempo mortal.  Um momento zero que neste caso é o primeiro e nunca será filho único.

PS: A Grande Pausa fica no universo digital e está à espera de todos os que a queiram partilhar em https://grandepausa.wordpress.com