“Galega”. Era assim que o ex-presidente Lula chamava sua mulher Marisa Letícia Lula da Silva, lembrando sempre a origem italiana da família da esposa, oriunda da província de Bérgamo. Foram infindáveis os discursos que Lula encerrou com o bordão: “Preciso encerrar a conversa aqui com vocês e ir para casa, onde dona Marisa me espera. Se eu chegar tarde, vou dormir no sofá da sala”. Dona Marisa, de 66 anos, sempre foi o porto seguro de Lula durante os 44 anos de casamento, principalmente nas situações difíceis do ex-presidente, como quando ele recentemente tornou-se réu em cinco processos e enfrentou um câncer. A trajetória política de Lula se confunde com a história de vida de dona Marisa. Enquanto Lula militava nas portas de fábrica e nos palanques pelo Brasil a fora, Marisa ficava na retaguarda. Foi ela quem costurou a primeira bandeira do PT em 1980, na fundação do partido.

Marisa teve uma vida de dificuldades no início. Nasceu numa família pobre de dez irmãos, crescendo na zona rural de São Bernardo do Campo. Aos nove anos, já trabalhava como babá de três meninas de uma família rica em São Bernardo. Aos treze passou a embalar bombons. Aos dezenove, casou-se com o taxista Marcos Cláudio, com quem teve o primeiro filho Marcos. O taxista foi assassinado a tiros após seis meses de casamento. Viúva, em 1973, foi ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e lá conheceu o então presidente da entidade, Luiz Inácio da Silva, que também havia ficado viúvo recentemente. Os dois se casaram sete meses depois. Do casamento vieram três filhos: Fábio Luiz, Sandro e Luis Cláudio. Lula assumiu o de Marisa e o criou como se fosse seu.

Como o casamento e a fundação do PT aconteceram em meio à luta contra a ditadura, o lado combativo de dona Marisa aflorou. Ela fazia reuniões de mulheres em sua modesta casa perto da FEI em São Bernardo, ajudando nas lutas do sindicalista Lula. Quando ele foi preso em 1980, Marisa organizou uma passeata de mulheres contra o regime militar na Praça da Sé, cercada por soldados. Marisa participava das campanhas eleitorais do marido, bordando camisetas e bandeiras, como na disputa de Lula para o governo de São Paulo em 1982 ou para deputado federal em 1985. 57

Durante a campanha para presidente em 1989, contra Collor, Marisa teve uma decepção e se afastou. O que motivou o seu gesto foi o episódio envolvendo a enfermeira Miriam Cordeiro. Dizia ela que Lula tinha pedido que ela fizesse aborto da filha Lurian. Mas Marisa superou a crise e passou a aceitar Lurian como enteada.

No período em que Lula esteve à frente da Presidência da República, de 2003 a 2010, a ex-primeira-dama sempre esteve nos bastidores do Palácio, calada, sem dar entrevistas, mas sempre impedindo que o posto de presidente de Lula afetasse a vida familiar do casal e dos quatro filhos. Marisa exigia que Lula fosse para São Bernardo quase todos os finais de semana. Proibia que ele participasse de eventos públicos ou políticos no final de semana, especialmente aos domingos. Cumpria um ritual dominical: reunia todos ao redor da mesa e pedia comidas italianas a Gigio, dono de um restaurante no centro da cidade.

Era caseira. Ao sofrer o AVC, a ex-primeira dama estava no seu apartamento em São Bernardo. O aneurisma que tinha no cérebro há dez anos se rompeu. Foi levada para um hospital em São Bernardo, onde recebeu os primeiros atendimentos. De lá, foi levada para o Hospital Sírio Libanês, um dos mais sofisticados de São Paulo. Mas já era tarde. Na quinta-feira 2, nove dias depois, teve a morte cerebral decretada.