Thiago Rocha Pitta – O Primeiro Verde/ Galeria Millan, SP/ até 28/4

A geologia e os processos de transformação da matéria física orientam as pesquisas artísticas de Thiago Rocha Pitta desde o começo dos anos 2000. Os fenômenos de fossilização, erosão e a alteração do terreno dos desertos contribuíram para a construção de trabalhos que conquistaram prêmios como Open Your Mind Award, na Suíça, e Marcantonio Vilaça, no Brasil. O verde entrou na obra do artista mineiro de forma tímida, invadindo pelas bordas as instalações construídas na forma de tendas de concreto. A cor assume protagonismo na individual “O primeiro verde”, que esteve na Marianne Boesky Gallery, em Nova York, até abril de 2017, e está agora na galeria Millan, em São Paulo.

O título da mostra faz referência às cianobactérias, os primeiros seres a realizar fotossíntese há 3,7 bilhões de anos. Graças a esses microrganismos marinhos e ao oxigênio liberado por eles na atmosfera, criou-se a biosfera e as condições para o desenvolvimento da vida na Terra, no período conhecido como “a grande oxigenação”. Em um momento em que discutimos a destruição da biosfera e asfixia e a morte dos rios urbanos (leia em Roteiros, ao lado), a obra recente de Rocha Pitta traz um sopro de vida e de inteligência. O artista afirma, porém, que sua pesquisa sobre o meio ambiente não tem relação com a ecologia, mas sim com a história do mundo e a busca de auto-conhecimento. “Discordo da definição de nossa era como antropoceno. É necessário tirar o homem do lugar de protagonismo no planeta”, diz Rocha Pitta à Istoé.

A mostra é composta por um vídeo, uma instalação e uma série de telas produzidas por meio da antiga técnica do afresco, através do qual são aplicados pigmentos diretamente sobre uma camada úmida de cal e areia. O resultado final é orgânico e foge do controle da mão humana, na medida em que se completa ao longo de três meses, com a evaporação, o endurecimento e a liberação de calor do material. Reconhecendo o afresco como uma “técnica geológica”, o artista faz um paralelo com o ciclo do carbono, que leva 100 milhões de anos para se concretizar.

A exposição é inteira verde e azul, estruturada sobre conceitos que integram a geologia e a cosmologia. “Esse trabalho começou com uma pesquisa sobre as divindades ctônicas (da Terra), relacionando os ambientes ctônico, telúrico e mítico”, diz ele.

Roteiros

A cidade se espelha no rio

ESTAGNAÇÃO A usina da Traição interrompe o fluxo e o princípio de vida do rio Pinheiros e da cidade

Detox SP/ Direção Felipe Kurc e Rodolfo Amaral/ Disponível no NOW (NET), iTunes e Google Play

“O estado de um rio fala tudo sobre uma sociedade. Bato o olho e já sei onde estão os problemas, o que está acontecendo na educação, na cultura, nas políticas públicas, no empoderamento social, na mobilização”, diz o biólogo e educador ambiental César Pegoraro. A julgar pelo estado dos dois grandes rios que cruzam a cidade de São Paulo, e dos cerca de 300 canais escondidos sob seu asfalto, a sociedade paulistana está condenada. Depoimentos contundentes como esse compõem o documentário “Detox SP — Um Novo Olhar Sobre Nossa Relação com as Águas”, dirigido por Felipe Kurc e Rodolfo Amaral, lançado em 22/3, Dia Mundial da Água, no Green Film Festival, parte da programação do Fórum Mundial da Água 2018, em Brasília.

Realizado com baixo orçamento (R$ 34,7 mil) captados integralmente com financiamento coletivo, o filme não se destaca pela investigação de linguagem. Tem um formato documental tradicional, mas é extremamente eficiente em construir, a partir de depoimentos de 15 entrevistados — entre cientistas, ativistas, urbanistas e líderes espirituais —, uma narrativa complexa sobre as origens e os efeitos da intoxicação dos rios em íntima relação com a deterioração dos valores da sociedade contemporânea.

O roteiro estrutura-se sobre dados técnicos e históricos elucidativos sobre os rios Pinheiros e Tietê, sempre acrescidos de análises humanistas e filosóficas de agentes como Lala Deheinzelin, especialista em economia criativa, a líder budista Monja Coen, o professor de Kabbalah Joseph Saltoun, a psicoterapeuta Vera Helena Camará e o mestre espiritual Sri Prem Baba. Stela Goldenstein, diretora da ONG Águas Claras do rio Pinheiros, explica que a canalização do rio para a produção de energia elétrica, há 100 anos, gerou um problema ambiental que não foi previsto na época, porque não se calculou o crescimento desgovernado da região metropolitana de São Paulo. Lala Deheinzelin, por sua vez, interpreta a interrupção do fluxo do Pinheiros como um reflexo da estagnação dos sentimentos e dos pensamentos da população.

O biólogo César Pegoraro aponta que o rio Tietê, logo que sai das nascentes, em Salesópolis, já recebe uma carga monumental de esgoto. É como se nascesse morto. Sua baixa oxigenação perdura ao longo de 200 quilometros. É só aí que o rio se recupera, para correr por mais 600 quilometros até desaguar no rio Paraná, no Rio da Prata, e chegar ao mar. Guilherme Castagna, engenheiro e permacultor, afirma que a solução passa por descentralizar os tratamentos de esgotos para gerar água de reuso, abdicando das grandes usinas de tratamento, e pela adoção de plantas geradoras de energia elétrica não impactantes ao meio ambiente.

Todos concordam: vivemos uma mudança de paradigma. Restaurar a água é desintoxicar e revitalizar os valores que regem a convivência nas cidades. “Olhar para os rios é olhar-se no espelho. O rio não tem cheiro. O cheiro ruim que sentimos é nosso”, diz Luis de Campos Jr., co-criador da ONG Rios e Ruas. PA