O REI PÁLIDO David Foster Wallace
Companhia das Letras
599 págs | Preço: R$ 114 (Crédito:Divulgação)

É provável que os críticos do século 22 tratem David Foster Wallace com a mesma reverência com que tratamos hoje autores como Marcel Proust e James Joyce. A originalidade e complexidade de sua escrita, eternizada principalmente em sua maior obra, Graça Infinita, de 1996, tornam o autor norte-americano um dos grandes nomes da literatura na virada do século 20. Wallace é mestre tanto na experiência com a linguagem quanto na materialização do vazio presente na sociedade pós-moderna.

É isso que torna o lançamento de O Rei Pálido tão relevante. Antes de se suicidar, em setembro de 2008, aos 46 anos, o escritor abandonou o manuscrito inacabado sobre a mesa de seu escritório, para que sua mulher pudesse encontrá-lo. Para organizar o material e finalizar o projeto, ela convidou seu colaborador mais próximo, Michael Pietsch, editor de Graça Infinita. Seguindo as notas e orientações do autor – “esse livro é uma série de preparações para que as coisas aconteçam sem que nada jamais aconteça” –, Pietsch chegou ao formato publicado agora no Brasil.

Crítico contumaz do consumismo americano, como pode ser visto na lendária palestra Isso é Água, que proferiu aos formandos do Kanyon College, em 2005, Wallace era obcecado pela magnitude que a rotina exerce sobre a vida dos indivíduos. Foi o tema escolhido para o seu último romance: O Rei Pálido aborda o cotidiano dos funcionários de uma central de processamento de dados do imposto de renda, local atolado em formulários, arquivos e atividades burocráticas. Poucos autores seriam capazes de tornar interessante esse ambiente enfadonho e repleto de pessoas “comuns”, mas Wallace consegue prender a atenção do leitor por meio de um recurso também usado por Proust e Joyce: a transformação do fluxo da consciência em literatura.

Um bom exemplo é a sequência que abre o livro, na qual o protagonista, Claude Sylvanshine, estuda para uma prova enquanto viaja de avião. Sua mente vagueia entre observações sobre os passageiros, memória de episódios corriqueiros e até lembranças da infância, a tradicional avalanche de informações simultâneas que processamos a cada momento, o tempo inteiro. Transpor o pensamento para as palavras é uma tarefa hercúlea, e a maior prova de que David Foster Wallace não é do século 20 ou 21, mas, sim, um escritor atemporal.